quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

ZUR FRIEDENSPALME

Nada mais justo seria, após um longo e cansativo dia de trabalho sob um calor sufocante, gozassem de um descanso para o corpo dolorido e mãos calejadas. Mas alguns daqueles primeiros imigrantes, mui discretamente e devidamente paramentados com seus aventais de pele de carneiro, preferiam investir suas noites em debates filosóficos em busca do aprimoramento moral e intelectual. Eram meados de 1850...

O início da colonização do Vale do Itajaí tratou-se, na verdade, de uma audaciosa ocupação de um território incrustado na Mata Atlântica nativa, tendo os primeiros imigrantes alemães que enfrentar as dificuldades impostas pelas circunstâncias, como moléstias tropicais, insetos, animais selvagens e peçonhentos, clima adverso e bastante diverso do europeu, ausência de qualquer estrutura, etc., principiando uma das mais fantásticas histórias de bravura e persistência de nosso país, liderada pelo Dr. Blumenau.

Filho de Karl Friedrich Blumenau e Christine Sophie Kegel, Hermann Bruno Otto Blumenau nasceu em 26 de dezembro de 1819, em Hasselfeld, na Alemanha e foi iniciado na maçonaria na Loja “Carl zur gekrönten Säule”, da cidade de Braunschweig, no ano de 1845. Já com a idéia fixa de erguer uma colônia no sul do Brasil, o químico-farmacêutico Hermann Bruno optou por ingressar na Loja “Libanon zu den 3 Cedern”, da cidade de Erlangen, em 1.º de fevereiro de 1849, meses antes de partir para o novo mundo, onde fundaria a Colônia Blumenau a 2 de setembro do ano seguinte.

Os primeiros indícios – Os primeiros anos foram especialmente difíceis, mas graças à obstinação daqueles intrépidos desbravadores, a Colônia Blumenau foi aos poucos prosperando, sendo que durante a primeira década de existência surgiram vários grupos sociais, do teatro aos clubes de caça e tiro. A maçonaria, no entanto, até então não conseguira se fixar, conforme noticiou o Pastor (e apontado por alguns historiadores como maçom) Rudolph Oswald Hesse no jornal “Kolonie-Zeitung”, de Joinville, em agosto de 1863: “Local de divertimento e sociedade encontramos em 8 estabelecimentos com bares respectivamente restaurantes. A vida cultural é representada na Associação Cultural, uma associação de canto orfeônico, um teatro de amadores e uma sociedade de tiro ao alvo: sòmente a maçonaria até esta data não conseguiu progredir satisfatòriamente.”

Em 1864, numa longa viagem à terra natal para resolver questões pertinentes ao desenvolvimento da colônia e mesmo de ordem pessoal, Dr. Blumenau acabou ingressando na Loja “Absalom zu den drei Nesseln”, n.º 01, de Hamburgo, a mais antiga loja da maçonaria moderna da Alemanha, onde alcançou os graus de Companheiro e Mestre Maçom.

Regressando à sua colônia em 1869, Dr. Blumenau encontrou-a com 5.985 almas e, provavelmente com o aval (senão a missão) da loja hamburguesa, fundou já em 1870 e junto dos outros maçons cá residentes uma comunidade maçônica denominada “Zur Friedenspalme” (À Palmeira da Paz), que obrava no Rito Schroeder, conforme rituais trazidos pelo fundador da Alemanha.

A fundação oficial – Apesar de congregar os mais expoentes cidadãos da colônia – como Wilhelm Scheeffer, Otto Stutzer, Louis Altenburg Sênior, Gustav Salinger (fundador e primeiro presidente da Associação Comercial do Vale do Itajaí, atual ACIB) e Peter Christian Feddersen (grande empreendedor, por vários anos presidente da ACIB e merecidamente alcunhado de “Mauá Blumenauense”) – a Loja “Zur Friedenspalme” durante muitos anos operou irregularmente, eis que era objeto de uma intensa disputa diplomática entre o Grande Oriente do Brasil e a Grossem Loge von Hamburg (problema semelhante enfrentou a Loja “Deutsche Freundschaft Zum Südlichen Kreuse”, de Joinville).

Somente em 10 de novembro de 1885, após o retorno definitivo de Dr. Blumenau para a Alemanha, a Loja Maçônica “Zur Friedenspalme” foi finalmente instalada, sob os auspícios da Grande Loja de Hamburgo, que havia exarado a Carta Magna de Reconhecimento em 24 de junho daquele ano.

Os trabalhos eram realizados numa antiga casa de colono situada no bairro Vorstadt, que serviria posteriormente como asilo, depois residência e que atualmente dá lugar ao Hospital Santo Antônio.

Muito da documentação infelizmente acabou se perdendo ao longo dos anos: não bastassem as constantes cheias a que estava exposta a cidade de Blumenau, no ano de 1933 o Partido Nazista alemão confiscou variada documentação maçônica, comprometendo o acervo histórico da Ordem na Alemanha e, por conseguinte, da loja blumenauense oitocentista.

Nada obstante, uma preciosa documentação que resistiu respeita ao contato com os maçons da Loja “Zur Eintracht”, de Porto Alegre, que doaram à Colônia Blumenau 2:667$000 (dois contos e seiscentos e sessenta e sete mil réis), numa imprescindível ajuda para seu reerguimento após a grande enchente de 1880 (16,80m), que devastou todo o vale do rio Itajaí-Açu.

O ocaso - Em decorrência da turbulência política que assomou Blumenau e Santa Catarina na última década do século XIX, e do rastro de destruição física, social e moral deixado, a loja blumenauense enfraqueceu porque sucumbiu à infiltração de assuntos puramente políticos em suas reuniões.

A “Zur Friedenspalme”, a primeira Loja Maçônica do Vale do Itajaí, teria funcionado até meados de 1900, quando abatera definitivamente suas colunas, citando-a os Calendários Maçônicos Alemães até o ano de 1901.

Apesar do encerramento de suas atividades, o legado da Loja “Zur Friedenspalme” pôde ser sentido século XX adentro, mediante a atuação dos membros formados em suas fileira nos diversos segmentos da sociedade blumenauense, liderando projetos e iniciativas que fizeram do Vale do Itajaí uma das regiões mais prósperas do país.


Para saber mais:

SILVA, Fernando Henrique Becker Silva. Zur Friedenspalme: A primeira loja maçônica do Vale do Itajaí. Blumenau: Editora Vale das Letras, 2005.

KORMANN, Edith. Blumenau: arte, cultura e as histórias de sua gente (1850-1985). vols.1 e 2. Florianópolis: Paralelo 27, 1994.

PROBER, Kurt. Catálogos das medalhas Maçônicas Brasileiras. 2a. ed. ampl. Paquetá: Princeps Gráfica e Editora Ltda., 1988.

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