quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

SÓU E PHORTES (um romance) 1

O CAVALEIRO SOLITÁRIO



Da silhueta elegante que sobre um cavalo se aproximava de mais um vilarejo (dentre tantos naqueles meses de solidão), transformou-se a figura de Phortes, um cavaleiro que abdicara das glórias do amor e da vida militar para errar de guerra em guerra, como vassalo do da melhor oferta. A lã grossa que lhe afastava o frio dava a impressão de sujeira, enquanto a espada descansava, embora por pouco tempo naquele repouso merecido, na bainha. No alto do rosto, o olhar trazia a modorra dos tantos corpos que viu tombar em batalha pela Ordem Terceira ou não. Assobiava melodias somente suas.

Pensou apear do animal, mas de soslaio olhou para o tímido sol e decidiu seguir viagem para evitar pernoitar ali, tão longe donde planejara. Atravessou, então, aquela meia dúzia de casebres com desinteressados acenos de cabeça, indiferente ao sofrimento daqueles míseros que viviam por ali e cruzavam-lhe a cavalgada mansa. Seguiu acompanhado apenas dos seus espíritos escravos – cinco fiéis adversários cuja vida roubou num campo de batalha. Naquele olhar gípseo, não se descobria remorso algum.

Pois que um cão do povoado seguiu-lhe até certa altura, virou-se, viu-se perdido e, como o cavaleiro, tudo abandonou e se entregou ao acaso. Phortes sorriu pelo novo companheiro e, por ventura, uma boa janta.

Aquela tropa de sofridos continuou, num silêncio triste, até confundir-se o horizonte com o céu, dado o crepúsculo com seu aspecto sepulcral.

O cavaleiro, seu bando e seu cão chegaram à velha ponte de pedra de algumas centenas de anos, abrigo certo dos viandantes. Já era hora de fazer fogueira.

Phortes ateve-se a um pedaço seco de carne para saciar sua fome e presenteou o cachorro com restos do pão que acompanhou-lhe a refeição. Acomodou-se no chão úmido, tendo a sela por apoio à cabeça.

Havia sido mais um dia igual na vida deste pobre de pensamentos complexos e palavras simplórias; nem bem fechou os olhos, adormeceu.

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