quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

SÓU & PHORTES (um romance) 4

ATO III


O (AMOR)ROMANCE DE SÓU E PHORTES



(acende-se o canhão de luz sobre o VENTO, que entra suave)



VENTO

Aguardavam-se, aos prantos, durante horas

Apesar de encontros breves, sem demoras

Nos cultos, nos vultos na feira, nas vielas

Nas janelas... é que o amor implora!



Agonizavam enquanto ficava o dia

Em cujo suspiro profundo se escondia

O amor da tarde longa, e a longa espera...

Esperavam a cidade, tão alerta, se deitar

Para o amor da noite despertar, enfim

Embriagada no sereno...

Amor supremo, amor supremo...

Assim...



Sóu e Phortes, por noites a fio

Provaram do arrepio

Da paixão pura



Entregues ao mais sincero enlace

Era face a face

Que faziam juras...



Ficavam as estrelas a competir

E a noite a rir, e a noite a sorrir...

Pois que a lua já era conformada

Com o brilho dos dois dali

Se amando à luz...

Se amando à luz da madrugada.



Até com a luz da manhã, sua chegada

Indesejada, indesejada...

A urbe já era de novo de pé

De pé também o Chefe dos Pajens

Senhor bastante encrenqueiro

Que vivia, n’obstante, às margens

De amor tão célere, tão ligeiro...

Do romance da filha com o cavaleiro



(música um pouco mais tensa)





ATO IV

NA CALADA DA NOITE



VENTO

Mas já era o quê?

Noit’adentrada

Que Phortes vê,

Lá da estrada,

A amada bela



Não pôde crer

Tão esperada

Sentiu não ter

Uma escada

Pra chegar a ela



E para espanto

Da dócil donzela

O amante infanto...

Uma pedra na janela!



VOZ DE PHORTES (berrando)

Quando?



VOZ DE SÓU (berrando)

Como?



VOZ DE PHORTES (berrando)

Te amo!



VOZ DE SÓU (berrando)

Amanhã, nesta hora



VOZES DE AMBOS (despedindo-se)

Até!



VENTO

Phortes, ébrio da doçura,

Adormeceu ali na rua

Enquanto Sóu na maciez

De sua cama de burguês



(apaga-se o canhão de luz; o CAVALEIRO sai; o palco fica totalmente escuro e vazio; finda a música)



(som de grilos; acendem-se as luzes, Phortes está deitado no chão, dormindo. Entra o BICHO)



BICHO

Ora, ora

Mas que boa hora!

Se não é o jovem soldado

Herói tão bem falado

Seguidor da Cruz Senhora...

No entanto, agora

Enamorado!



Nasceu pra ser mandado

Com esse coração alado

Que esperneia e chora

Muito embora

Ser também amado...

Porém seu fado

É cair fora!



Enfiar a espora!

E cair fora!



(o BICHO sai de cena, correndo e gritando; PHORTES desperta do sono, e sai correndo)



ATO V

POEMA A DOIS DO DIA DEPOIS



(Música fúnebre, PHORTES, num canto do palco, no cavalo de pau, lamentando; luzes sobre ele)



PHORTES

Sim, é assim...

Assumo o medo

‘mbora cedo

Do meu fim.

Estimo-a mui,

Mas sei que fui,

Assim, de repente,

Mentiroso ao dizê-la,

Enfim,

“pra sempre”.



(apagam-se as luzes; SÓU na sacada, segurando um crucifixo, lamentando; luzes sobre ela)



SÓU

Não, não sei o que houve!

Encaras-me quieta, cruel cruz...

Cruzo respostas sem luz

E cá donde só a dor me ouve

Reparto lágrimas e razões.

O que fiz?

Por que não quis, ou sente

Ter-me assim,

Enfim,

Pra sempre?



(luzes sobre o personagem falante)



PHORTES

Não, nem sei

Somente sei

Qu’ainda a amo

Mas prefiro... partir



SÓU

Sim, só pode

Somente pode...

Será que me ama?

Será que volta?

(desesperada)

Por quê? Por quê?

Mil vezes por quê?



PHORTES

Sou da guerra

Sou do sangue

Sou de sangue



SÓU

Teria o meu!



PHORTES

Sou da terra

Sou da guerra

Sou de carne



SÓU

Teria a minha!



PHORTES

Tanto eu queria!

Mas justo não seria:

No amanhecer do dia

Eu haver partido.

“O que terá sido?”

Perguntaria.

Feitiço?

Bruxaria?

A razão do sumiço

Não saberia.



(PHORTES sai de cena)



SÓU

Mais bruxa que eu,

Não há quem seja! (gritando)

Melhor calar (acalmando-se)

Porque s’a Igreja

Desconfiar

‘Me esquarteja’



Mas Phortes, (novamente gritando)

Volte, porque te quero

Senão tua sorte

Senão tua morte

É o que espero!



(entra o COLIBRI, que fica dançando, girando pelo palco)



SÓU

Phortes, te rogo a praga! (gritando)

Colibri, mo traga

Este senhor



COLIBRI

És tu quem manda

Ó fada senhora

Quem sou eu para negar

Tua demanda?

Mas por que choras?

Por que estás a bravejar?



SÓU

É alguém que adoçou-me a boca

E agora parte, covarde!

Mas vá-te logo, ó muriçoca

Antes que seja tarde.





COLIBRI

Mas o que lhe digo?

Conto-lhe da maldição?

E se afugento-lhe ainda mais?

Que caminho sigo?

Mas que aflição!

Matarás o rapaz?



SÓU

Não sejas tolo,

Ó Beija-flor:

O seu consolo

É o meu amor



Traga-o por bem

Dê um jeito!

Se ele vem

Terá aconchego

No meu peito



Mas se não vir...

Ah, Colibri...



Parta já.

Haverás de lho alcançar...



COLIBRI

Com sua benção!



(despede-se, e sai cantando:)



Ó terras floridas

Ó campos sagrados

Protejam minha ida

Guardem meu reinado



Ó terras sagradas

Ó campos floridos

Minhas flores fechadas

Quando eu tiver ido



Ó pétalas cheirosas

Meus doces néctares

Quando estiver fora

Fechem seus lares

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