ATO III
O (AMOR)ROMANCE DE SÓU E PHORTES
(acende-se o canhão de luz sobre o VENTO, que entra suave)
VENTO
Aguardavam-se, aos prantos, durante horas
Apesar de encontros breves, sem demoras
Nos cultos, nos vultos na feira, nas vielas
Nas janelas... é que o amor implora!
Agonizavam enquanto ficava o dia
Em cujo suspiro profundo se escondia
O amor da tarde longa, e a longa espera...
Esperavam a cidade, tão alerta, se deitar
Para o amor da noite despertar, enfim
Embriagada no sereno...
Amor supremo, amor supremo...
Assim...
Sóu e Phortes, por noites a fio
Provaram do arrepio
Da paixão pura
Entregues ao mais sincero enlace
Era face a face
Que faziam juras...
Ficavam as estrelas a competir
E a noite a rir, e a noite a sorrir...
Pois que a lua já era conformada
Com o brilho dos dois dali
Se amando à luz...
Se amando à luz da madrugada.
Até com a luz da manhã, sua chegada
Indesejada, indesejada...
A urbe já era de novo de pé
De pé também o Chefe dos Pajens
Senhor bastante encrenqueiro
Que vivia, n’obstante, às margens
De amor tão célere, tão ligeiro...
Do romance da filha com o cavaleiro
(música um pouco mais tensa)
ATO IV
NA CALADA DA NOITE
VENTO
Mas já era o quê?
Noit’adentrada
Que Phortes vê,
Lá da estrada,
A amada bela
Não pôde crer
Tão esperada
Sentiu não ter
Uma escada
Pra chegar a ela
E para espanto
Da dócil donzela
O amante infanto...
Uma pedra na janela!
VOZ DE PHORTES (berrando)
Quando?
VOZ DE SÓU (berrando)
Como?
VOZ DE PHORTES (berrando)
Te amo!
VOZ DE SÓU (berrando)
Amanhã, nesta hora
VOZES DE AMBOS (despedindo-se)
Até!
VENTO
Phortes, ébrio da doçura,
Adormeceu ali na rua
Enquanto Sóu na maciez
De sua cama de burguês
(apaga-se o canhão de luz; o CAVALEIRO sai; o palco fica totalmente escuro e vazio; finda a música)
(som de grilos; acendem-se as luzes, Phortes está deitado no chão, dormindo. Entra o BICHO)
BICHO
Ora, ora
Mas que boa hora!
Se não é o jovem soldado
Herói tão bem falado
Seguidor da Cruz Senhora...
No entanto, agora
Enamorado!
Nasceu pra ser mandado
Com esse coração alado
Que esperneia e chora
Muito embora
Ser também amado...
Porém seu fado
É cair fora!
Enfiar a espora!
E cair fora!
(o BICHO sai de cena, correndo e gritando; PHORTES desperta do sono, e sai correndo)
ATO V
POEMA A DOIS DO DIA DEPOIS
(Música fúnebre, PHORTES, num canto do palco, no cavalo de pau, lamentando; luzes sobre ele)
PHORTES
Sim, é assim...
Assumo o medo
‘mbora cedo
Do meu fim.
Estimo-a mui,
Mas sei que fui,
Assim, de repente,
Mentiroso ao dizê-la,
Enfim,
“pra sempre”.
(apagam-se as luzes; SÓU na sacada, segurando um crucifixo, lamentando; luzes sobre ela)
SÓU
Não, não sei o que houve!
Encaras-me quieta, cruel cruz...
Cruzo respostas sem luz
E cá donde só a dor me ouve
Reparto lágrimas e razões.
O que fiz?
Por que não quis, ou sente
Ter-me assim,
Enfim,
Pra sempre?
(luzes sobre o personagem falante)
PHORTES
Não, nem sei
Somente sei
Qu’ainda a amo
Mas prefiro... partir
SÓU
Sim, só pode
Somente pode...
Será que me ama?
Será que volta?
(desesperada)
Por quê? Por quê?
Mil vezes por quê?
PHORTES
Sou da guerra
Sou do sangue
Sou de sangue
SÓU
Teria o meu!
PHORTES
Sou da terra
Sou da guerra
Sou de carne
SÓU
Teria a minha!
PHORTES
Tanto eu queria!
Mas justo não seria:
No amanhecer do dia
Eu haver partido.
“O que terá sido?”
Perguntaria.
Feitiço?
Bruxaria?
A razão do sumiço
Não saberia.
(PHORTES sai de cena)
SÓU
Mais bruxa que eu,
Não há quem seja! (gritando)
Melhor calar (acalmando-se)
Porque s’a Igreja
Desconfiar
‘Me esquarteja’
Mas Phortes, (novamente gritando)
Volte, porque te quero
Senão tua sorte
Senão tua morte
É o que espero!
(entra o COLIBRI, que fica dançando, girando pelo palco)
SÓU
Phortes, te rogo a praga! (gritando)
Colibri, mo traga
Este senhor
COLIBRI
És tu quem manda
Ó fada senhora
Quem sou eu para negar
Tua demanda?
Mas por que choras?
Por que estás a bravejar?
SÓU
É alguém que adoçou-me a boca
E agora parte, covarde!
Mas vá-te logo, ó muriçoca
Antes que seja tarde.
COLIBRI
Mas o que lhe digo?
Conto-lhe da maldição?
E se afugento-lhe ainda mais?
Que caminho sigo?
Mas que aflição!
Matarás o rapaz?
SÓU
Não sejas tolo,
Ó Beija-flor:
O seu consolo
É o meu amor
Traga-o por bem
Dê um jeito!
Se ele vem
Terá aconchego
No meu peito
Mas se não vir...
Ah, Colibri...
Parta já.
Haverás de lho alcançar...
COLIBRI
Com sua benção!
(despede-se, e sai cantando:)
Ó terras floridas
Ó campos sagrados
Protejam minha ida
Guardem meu reinado
Ó terras sagradas
Ó campos floridos
Minhas flores fechadas
Quando eu tiver ido
Ó pétalas cheirosas
Meus doces néctares
Quando estiver fora
Fechem seus lares
É seu?
ResponderExcluirSamanta.