(entra o PLEBEU, com um violão e passa a tocar; pára um instante e olha para o público)
PLEBEU
O que é uma ópera?
(volta a tocar e fala enquanto toca)
Impõem-nos que ópera seria um drama cantado, com orquestra ao lado... de quando em vez travam-se diálogos ou se declama cantos, acompanhados sempre por um instrumento musical... um drama lírico... logo, um drama musical.
Mas (levantando-se) descobrimos que, na verdade, ópera é uma oração:
Uma oração triste... que arrepia os mortais e entusiasma os anjos...
Sim... os anjos que, não raro, acompanham a melodia e aplaudem, apaixonados, com suas asas.
Provemos seu sabor.
(fica em silêncio, abre um sorriso para a platéia)
Temos a honra de lhes apresentar a opereta...
Sóu & Phortes
... que tem por pano de fundo o terceiro dia da festa de Teobaldo, o Bravo, quando Phortes, seguindo o vão conselho de Henrique, chora em uma pequenina praça a desilusão do amor perdido na distância do palanque de dois dias atrás...
DOCE INTRÓITO
CAVALEIRO
Quando Phortes seus olhos levantou
Não tardou se desfazer o sentimento
Que lhe fazia viver tanto tormento:
Solidão.
Sóu, espalhafatosa, cruzara a praça
E sem graça, naquele olhar perdeu
Sua história, um passado que era seu:
Solidão .
Ele, um cavaleiro honrado,
O futuro renegou.
Ela, de coração ensimesmado
Ali na rua, repensou.
Destinos presos, manhã solta
Conheceram, cada qual, sua parte outra.
‘Cá comigo’ – estendeu a mão a bela.
Ele sorria... entregou a destra a ela.
Meio-dia, a cidade parada, estava quente.
Uma da tarde, mãos dadas apenas, se olhavam somente.
Duas da tarde, eles parados, a cidade insistentemente
Os olhava, curiosa.
No fim daquela tarde rosa
Phortes soube que ambos eram...
Sóu, dona foi da certeza: sim, eram
Uno, eterno e belo
Uno, eterno e belo, juntos os dois
Porém propôs:
‘Provemos desse amor e se desse amor, algo é completo.’
E de coragem repleto, Phortes bramiu:
‘A Noite há de nos dizer!’
a opereta, enfim...
ATO I
SÓU DESAFIA A NOITE EM PLENA RUA
SÓU e PHORTES
Se desejávamos o porquê
Por que razão a afrontamos?
Se só queríamos saber
A desafiamos por quê?
(silêncio... som de passarinhos e latido de cães - som de rua tranqüila)
SÓU
Nesta tarde o que nos resta
É aguardar nascer a Lua
Sentar sorrindo à rua
E descobrir tão-só a nua
Face da Vida
Forças da Noite
(silêncio... crianças que brincam, som vai sumindo...)
SÓU
É conhecer que não presta
Tanta verdade crua
Que aflige, não recua
E, fria e lúcida, nos rotula
CORAL (representando a Noite)
Fracos diante de mim
Frágeis perante os céus
Vulneráveis debaixo do véu
Porque reagir não sois capazes
(longo silêncio... começa música clássica que vai ganhando força, devagar)
SÓU
O vento passa e nos ensina:
(passa o Vento, correndo e sussurra)
VENTO
‘Olhem o rosto um do outro, já basta!’
‘Esqueçam do mundo lá de cima.’
‘Fruam o gosto dos lábios outro do um... apenas.’
(música atinge o seu ápice e pára de repente... começam os tambores)
SÓU
A aurora levanta e nos aponta
Mas não é ela legítima!
É simplesmente ciumenta
Pois que afronta a paz
Que nos empresta a indiferença
À tristeza
De nos saber...
(tambores altos e, mais alto que os tambores, SÓU)
SÓU
Sim sim sim
(penumbra, de repente... junto com o silêncio. Sóu cai no chão e o som vai aumentando)
CORAL
Fracos diante da Noite
Frágeis perante os céus
Vulneráveis debaixo do véu
Porque reagir não sois capazes
Porque reagir não sois capazes
(num pulo, Sóu se levanta e de forma rebelde)
SÓU
No entanto vivos, Sóu e Phortes
No entanto livres, Phortes e Sóu
Porque juntos um do outro
(Sóu sai de cena, debochando da Noite, ao som de carnaval. Finda a música)
CORAL
Porque são mulher e homem
Porque são mortais
E como tais
O amor consome...
O sonho arrasta...
Deus admite
ATO II
PHORTES DESAFIA A CRUZ EM CAMPO DE FLORES-DE-LIS
PHORTES
Ei, tu!
O amor me alcançou
Da forma que temias.
Eu, que cá vim por tanto,
Portanto te peço:
Te admitas vencida
E do teu alto me abençoes
Nem que soe
Falso.
Trago comigo
(Sóu sai por detrás de Phortes)
O rosto amado
Meu ombro amigo
Teu poder quebrado.
CORAL (representando a Cruz)
Pobres acham que podem
Fracos crêem que podem
Nada é o que são.
Se os quero distintos
Distintos serão
Minha benção?
Não.
PHORTES
Ei, tu
Arguciosa que há pouco norteavas
Caminho puro e de pó
Tenhas dó
Do que une Sóu e Phortes!
Compreendas, ao menos
E terás consolo
Porque voltar atrás, senhora, não farei.
Porque o Amor de Phortes contém
Mais que tua benção
Mais que tua insolência
Mais que tua permissão:
Possui a convicção
De Sóu.
CORAL
Pobres acham que podem
Fracos crêem que podem
Nada é o que são.
Se os quero distintos
Distintos serão
Minha benção?
Não.
PHORTES
Ei tu,
Reflexo da cegueira,
Queiras ou não queiras
Perder-me-ás para sempre
Não te defenderei mais
Entrego-me a paz
Qu’o colo de Sóu mo traz
Porque somente Sóu quem faz...
CORAL (interrompendo)
Pobres acham que podem
Fracos crêem que podem
Nada é o que são.
PHORTES
Pobres sei que somos
Fracos não mais
Nada te propomos
Teu poder, Senhora, aqui jaz.
CORAL
Cavaleiro, não faça
Graça
Do poder da Ordem
Tu e Sóu não podem
Não devem, nem vão
Consolidar esta união
Minha benção,
Jamais terão.
SÓU
Escute, meu bem:
Quem lá vem?
VENTO
‘Olhem o rosto um do outro, já basta!’
‘Esqueçam daquela do altar.’
‘Fruam o gosto dos lábios outro do um... apenas.’
‘Não haverão de os separar!’
PHORTES
Não acreditas no que digo?
Pouco importa,
Não mais te sigo!
Sim, somos frágeis...
Sim, somos pobres...
Mas, somos ágeis
E somos jovens
Podes até não permitir...
SÓU
Mas hás de um dia cair!
PHORTES
E não serei eu a te levantar
Lembrarás com pesar
Do instante maldito...
Em que me disseste ‘não’
CORAL
Ameaças... ameaças
Ó, que medo! (irônica)
Melhor pensando, lhos concedo
A MINHA MALDIÇÃO!
Concedo-lhes então
A MINHA MALDIÇÃO!
(Phortes e Sóu saem fugindo e rindo)
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