domingo, 28 de fevereiro de 2010

ORDEM DE CAVALARIA 10

O CONCÍLIO DE TROYES E APROVAÇÃO DA REGRA



Em janeiro de 1128, reunidos na cidade de Troyes, distante 55 quilômetros da abadia de Clairvaux, Mateus, bispo de Albano e núncio do papa, os arcebispos de Reins e Sens, dentre outros bispos, abades (dentre os quais Bernardo, de Clairvaux), e mestres, realizou-se o famoso Concílio de Troyes.

Também estiveram presentes no Concílio, os seguintes templários : Hugues de Payens, Roland, Godefroy, Geoffroi Bisot, Payen de Montdidier, e Archambaut de Saint-Amand.

Na ocasião, foi aprovada a jovem Ordem e apresentada sua Regra Primitiva (apelidada “Latina”) com 72 artigos, acrescidos de mais quatro em tradução francesa posterior. BURMAN salienta que, diante do crescente número de irmãos, a versão final da regra atingiu seus 686 artigos.

Valendo-se de SILVA, que utilizou Henri de Curzon, destaca-se o Prólogo da Regra, onde São Bernardo critica o desvirtuamento dos cavaleiros de então, incumbindo aos Templários o resgate da pureza inicial das Ordens de Cavalaria:

“1 - Falamos inicialmente àqueles que secretamente desprezam sua própria vontade e com estudado cuidado, desejam usar e usar permanentemente a mui nobre armadura da obediência. Portanto, advertimo-lo a você que até agora levou a vida dos Cavaleiros seculares, para quem Jesus Cristo não era a motivação, mas que você abraçou por favor humano somente, a seguir àqueles a quem Deus escolheu dentre a massa de perdição e a quem ordenou, através de sua misericórdia plena de graça, que defendessem a Igreja Sagrada, e que você se apresse por juntar-se a eles para sempre.

“2 - Acima de tudo, quem for um Cavaleiro de Cristo, escolhendo tais Ordens Sagradas, deverá em sua profissão de fé unir para diligência e firme perseverança, que é tão misericórdia e sagrada, e é sabidamente tão nobre, que se for preservada intocada para sempre, fá-lo-á merecer a estar em companhia dos mártires que deram sua alma por Jesus Cristo. Nesta Ordem religiosa floresceu e está revitalizada a Ordem da Cavalaria. Esta Cavalaria desprezou o amor pela justiça que constitui seus deveres, não fez o que deveria, ou seja, defender os pobres, as viúvas, órfãos e as Igrejas, mas esforçou-se por saquear, espoliar e matar. Deus está conosco e nosso Salvador, Jesus Cristo; Ele enviou seus amigos da Sagrada Cidade de Jerusalém para os limites da França e Burgundy, que, por nossa salvação e a disseminação da verdadeira fé, não cessam de oferecer suas almas a Deus, um sacrifício bem-vindo.

“3 - Então nós, com toda a alegria e irmandade plena, a pedido do Mestre Hugues de Payens, por quem a retrocitada Cavalaria foi fundada pela graça do Espírito Santo, reunidos em Troyes de diversas províncias além das montanhas na festa de meu senhor São Hilário, no ano da encarnação 1.128 de Jesus Cristo, no nono ano depois da fundação da referida Cavalaria. Sobre a condução e origens da Ordem da Cavalaria ouvimos em Capítulo Comum, dos lábios do mestre mencionado, Irmão Hugues de Payens: e de acordo coma as limitações do nosso entendimento, o que nos pareceu e benefício nós apreciamos, e o que nos pareceu errado nós evitamos.

“4 - E tudo que ocorreu no Concílio não pode ser contado nem relatado; e de forma que não fosse assumido descomprometidamente por nós, mas considerado com grande com pureza sábia deixamo-lo para a discreção dos honoráveis pai São Honorius e ao patriarca de Jerusalém, Stephen, que conheceu os deveres do leste e dos Pobres Cavaleiros de Cristo, por cuja recomendação do Concílio Comum, aprovamos por unanimidade. Embora um grande número de irmãos religiosos que se reuniram no Concílio aprovaram a autoridade de nossas palavras, não poderíamos passar silentes pelas sentenças verdadeiras e juízos que emitiram.

“5 - Portanto eu, Jean Michel, a quem foi confiado o divino ofício, por graça de Deus, servi como humilde escriba do presente documento por Ordem do Concílio e do venerável padre Bernardo, abade de Clairvaux.



SÓU & PHORTES (um romance) 5

ATO VI

PHORTES CRUZA COM O INIMIGO



LEGIÃO DE LUCATRINTA (em coro)

Vamos pra guerra

Avante, companheiros

A batalha nos espera

Teobaldo tombaremos



GENERAL LUCATRINTA

Derrotar quem não presta

Do inimigo, a viga mestra

Do corpo esfacelado

Sua cabeça é o que nos resta



LEGIÃO DE LUCATRINTA

Invadamos a terra

Avante, ó guerreiros

A batalha nos espera

Teobaldo tombaremos



GENERAL LUCATRINTA

Os da Ordem, desgraçados

De insolência tão eivados

Seus algozes estão em festa

Seus destinos estão traçados



LEGIÃO DE LUCATRINTA

O inimigo que impera

Mataremos tão ligeiro

A batalha nos espera

Teobaldo tombaremos



(entra Phortes a “cavalo”, falando sozinho, do outro lado do palco)



PHORTES

Errar, errar, er...raios!

Na vida, um tanto amante

Da Cruz, por tão lacaio

Eis-me cá, um errante

Será que nada valho?



LEGIÃO DE LUCATRINTA

Vamos pra guerra

Avante, companheiros

(avistam Phortes, interrompem a canção, mas recomeçam:)

A sorte nos encerra

Do inimigo sentimos o cheiro



GENERAL LUCATRINTA

Alto lá, ó solitário

O que carregas na bainha?

No peito, um escapulário

É a Cruz tua Rainha?



PHORTES (covardemente assustado)

Não sou o que pensas...



GENERAL LUCATRINTA

Ouça bem, serei mais claro

O mais cristalino que se pode

Confio mui em meu faro:

Não és tu um da Ordem?



PHORTES (covardemente assustado)

Não sou o que insinuas...



GENERAL LUCATRINTA

Conheces Teobaldo, o Bravo?

Se disseres ‘não’, estarás mentindo

Se não és da Cruz escravo

Por que esta roupa estarias vestindo?



PHORTES (covardemente assustado)

Não é minha, a roubei...



(um galo canta; Phortes começa a chorar)



GENERAL LUCATRINTA (rindo)

Três vezes... três vezes “não”, tal Pietro

(furioso)

Não suporto traidor: vade retro...

(menosprezando-o)

Vá-te! Vá-te! Não to quero perto.

Não vales sujar ma lâmina

Se és da covardia adepto

Largo-te à vil infâmia



LEGIÃO DE LUCATRINTA

Vamos pra guerra

O traidor aqui larguemos

A batalha nos espera

Teobaldo tombaremos

ORDEM DE CAVALARIA 9

O INÍCIO




A origem da Ordem dos Cavaleiros do Templo é diretamente vinculada à Primeira Cruzada (1095-09), quando uma legião de cristãos partiu da Europa para o Oriente com o intuito de recuperar o Santo Sepulcro das mãos dos muçulmanos, que o tinha sob seus domínios havia mais de quatrocentos anos.

Foi no Concílio de Clermont, em 1095, que o papa Urbano II convocou os fiéis para uma guerra santa contra o Islão, “É Deus que o quer”, “Ide sob a égide de Cristo” . O papa teria recebido do imperador bizantino Aleixo I Comneno o pedido de ajuda militar contra os infiéis muçulmanos, contudo, muitos outros interesses, legítimos ou não, impulsionaram tanto primeira quantos as outras sete cruzadas, quais sejam, a possibilidade de saquear as cidades que eram tomadas no caminho, acumulando riquezas; de conquistar terras; ou de combater os odiados inimigos pagãos, etc.

Assim, partindo em 1096, e sob as lideranças de Roberto da Normandia, Godofredo de Bulhão, Balduíno da Flandres, Roberto II da Flandres, Raimundo de Tolosa, Boemundo de Tarento e Tancredo, os cruzados passaram “por Constantinopla, onde receberam o apoio do imperador bizantino, os cruzados sitiaram Nicéia; tomaram o Sultanato de Doriléia, na Ásia Menor; conquistaram Antioquia; e finalmente avançaram sobre Jerusalém, conquistada em 15 de julho de 1099, depois de um cerco de cinco semanas.”

Então, Godofredo de Bulhão (ou Bouillon) chefiou Jerusalém até sua morte, em 1100, quando seu irmão, Balduíno I, tomou o título de Rei de Jerusalém em 18 de julho daquele ano.

Jerusalém, por esta época, era um ilha cristã isolada dos condados cristãos de Antioquia e Edessa por vários emirados muçulmanos. O Reino Latino de Jerusalém era, pois, constantemente ameaçado por forças sarracenas que, apesar da derrota na Cruzada, ainda representavam considerável perigo. Além disso, bandos vindos da cidade de Ascalão ameaçavam os peregrinos cristãos que percorriam a estrada que ia de Java à Jerusalém.

Por ser uma “terra sem lei” e possuir áreas vazias em vários pontos da cidade, Balduíno I empreendeu uma política de povoamento em Jerusalém, dando incentivos à imigração e para a permanência dos peregrinos.

Seu primo e sucessor, Balduíno II, que recebeu aquela ameaçada Jerusalém em 1118, então aceitou a oferta de um grupo de cavaleiros dispostos a defender os peregrinos na estrada que unia Java a Jerusalém – linha vital de comunicação, dando origem à Ordem dos Templários.

Edward BURMAN aponta três historiadores que narram a fundação da nova Ordem por estes corajosos cavaleiros:

(1) o arcebispo Guilherme de Tipo, um veemente crítico dos Templários , que, cerca de 50 anos depois dos acontecimentos, relatou ter-se dado a fundação em 1118, quando Hugues de Payens e Geoffroi de Saint-Omer, juntos de outros nobres, fizeram os tradicionais votos da pobreza, castidade e obediência, e receberam do Rei de Jerusalém uma parte ao Norte do Templo do Senhor;

(2) o bispo de Acra (1217-1227) Jacques de Vitry, que teria ouvido a história do Grão Mestre dos Templários Pedro de Montaigu, e relatado mais de um século depois, que em 1119, eram nove os cavaleiros, que serviriam por nove anos, até o Concílio de Troyes (que lhes forneceu a Regra), em 1128; e

(3) o patriarca da Igreja Siríaca de Antioquia, Miguel, o sírio, relatou que após um trágico episódio às vésperas da Páscoa de 1119, quando cerca de 300 peregrinos forma mortos e 60 foram feitos prisioneiros por sarracenos de Ascalão, um grupo de trinta cavaleiros liderados por “Hou[g] de Payn”, recebeu do rei a Casa de Salomão para sua residência e algumas aldeias para seu sustento.

BURMAN rechaça a hipótese de haver qualquer razão mística, “conspiração secreta – ou um conhecimento recém-descoberto” no episódio da fundação, e enumera, citando Du Cange, os nomes dos supostos primeiros cavaleiros do Templo: Hugues de Payens, Geoffroi de Saint-Omer, André de Montbard, Gundomar, Godofroy, Roral, Geoffrey Bisol, Payen de Montdésir, e Archambaud de Saint-Aignan.

Contudo, o próprio BURMAN admite a hipótese da decisão de fundar-se a Ordem haver sido tomada ente 1113-15, quando Hugues de Champagne, suserano leigo de Hugues de Payens e grande proprietário de terras na França do século XII, esteve no Oriente. Hugues de Champagne, doador da terra para a fundação da abadia de Claivaux para (São) Bernardo, teria se encontrado com Payens em 1113, três anos antes de uma provável visita deste à Terra Santa (1116). BURMAN reconhece que o papel de Hugues de Champagne na fundação da Ordem do Templo permanece pouco claro.

Já o português Pedro SILVA defende que Hugues de Champagne esteve com São Bernardo em 1114, quando arquitetaram os fundamentos da futura ordem. SILVA, ainda, aponta Pay[e]ns como a “última vértice do triângulo fundamental nos primórdios da constituição da ordem religiosa” , que funda, em 1118, a ordem religiosa Pauperes Commilitiones Christi Templique Salomonis (“Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão”), os Templários, que adotaram a divisa Non nobis, Domine, non nobis sed nomini tuo da gloriam (“Não para nós, Senhor, não para nós a glória, mas só em teu Nome”). Os Templários teriam recebido de Balduíno I (!) modestas acomodações do Templum Salomonis.

O próprio Hugues de Champagne teria juntado-se formalmente à Ordem dos Templários em 1125.

Fundada a Ordem, e após alguns anos de atividade discreta e até enfrentando dificuldades, Hugues de Payens, em 1126, teria viajado de Jerusalém para o Ocidente, a fim de recrutar novos cavaleiros e buscar apoio à nova Ordem.

BURMAN cita o Cartulário da Ordem que inicia com uma carta de Balduíno II (escrita, a julgar pela data de sua morte, ante de 15 de outubro de 1126) a São Bernardo, recomendado-lhe dois cavaleiros (Hugues de Payens e André de Montbard, tio do destinatário), pedindo-lhe que obtivesse a aprovação papal: “Os irmãos Templários, que Deus criou para a defesa de nossa província e aos quais concedeu proteção especial, desejam obter aprovação apostólica e também um Regra para governar suas vidas” .

Crê-se que a viagem de Payens foi exitosa, angariando fundos com doações de nobres e comerciante. Do Ocidente, teria enviado uma carta de encorajamento aos irmãos templários em Jerusalém, documento escrito em latim erudito, com constantes referências às Escrituras Sagradas, lançando o termo “monges-guerreiros” (salientando que, no entanto, deveriam ser mais clérigos que militares), apontando o demônio, senhor do orgulho e da ambição, como o responsável pelo enfraquecimento da vocação inicial dos cavaleiros, e enaltecendo a paciência, a humildade, a perseverança e a responsabilidade como caminhos da salvação.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

SÓU & PHORTES (um romance) 4

ATO III


O (AMOR)ROMANCE DE SÓU E PHORTES



(acende-se o canhão de luz sobre o VENTO, que entra suave)



VENTO

Aguardavam-se, aos prantos, durante horas

Apesar de encontros breves, sem demoras

Nos cultos, nos vultos na feira, nas vielas

Nas janelas... é que o amor implora!



Agonizavam enquanto ficava o dia

Em cujo suspiro profundo se escondia

O amor da tarde longa, e a longa espera...

Esperavam a cidade, tão alerta, se deitar

Para o amor da noite despertar, enfim

Embriagada no sereno...

Amor supremo, amor supremo...

Assim...



Sóu e Phortes, por noites a fio

Provaram do arrepio

Da paixão pura



Entregues ao mais sincero enlace

Era face a face

Que faziam juras...



Ficavam as estrelas a competir

E a noite a rir, e a noite a sorrir...

Pois que a lua já era conformada

Com o brilho dos dois dali

Se amando à luz...

Se amando à luz da madrugada.



Até com a luz da manhã, sua chegada

Indesejada, indesejada...

A urbe já era de novo de pé

De pé também o Chefe dos Pajens

Senhor bastante encrenqueiro

Que vivia, n’obstante, às margens

De amor tão célere, tão ligeiro...

Do romance da filha com o cavaleiro



(música um pouco mais tensa)





ATO IV

NA CALADA DA NOITE



VENTO

Mas já era o quê?

Noit’adentrada

Que Phortes vê,

Lá da estrada,

A amada bela



Não pôde crer

Tão esperada

Sentiu não ter

Uma escada

Pra chegar a ela



E para espanto

Da dócil donzela

O amante infanto...

Uma pedra na janela!



VOZ DE PHORTES (berrando)

Quando?



VOZ DE SÓU (berrando)

Como?



VOZ DE PHORTES (berrando)

Te amo!



VOZ DE SÓU (berrando)

Amanhã, nesta hora



VOZES DE AMBOS (despedindo-se)

Até!



VENTO

Phortes, ébrio da doçura,

Adormeceu ali na rua

Enquanto Sóu na maciez

De sua cama de burguês



(apaga-se o canhão de luz; o CAVALEIRO sai; o palco fica totalmente escuro e vazio; finda a música)



(som de grilos; acendem-se as luzes, Phortes está deitado no chão, dormindo. Entra o BICHO)



BICHO

Ora, ora

Mas que boa hora!

Se não é o jovem soldado

Herói tão bem falado

Seguidor da Cruz Senhora...

No entanto, agora

Enamorado!



Nasceu pra ser mandado

Com esse coração alado

Que esperneia e chora

Muito embora

Ser também amado...

Porém seu fado

É cair fora!



Enfiar a espora!

E cair fora!



(o BICHO sai de cena, correndo e gritando; PHORTES desperta do sono, e sai correndo)



ATO V

POEMA A DOIS DO DIA DEPOIS



(Música fúnebre, PHORTES, num canto do palco, no cavalo de pau, lamentando; luzes sobre ele)



PHORTES

Sim, é assim...

Assumo o medo

‘mbora cedo

Do meu fim.

Estimo-a mui,

Mas sei que fui,

Assim, de repente,

Mentiroso ao dizê-la,

Enfim,

“pra sempre”.



(apagam-se as luzes; SÓU na sacada, segurando um crucifixo, lamentando; luzes sobre ela)



SÓU

Não, não sei o que houve!

Encaras-me quieta, cruel cruz...

Cruzo respostas sem luz

E cá donde só a dor me ouve

Reparto lágrimas e razões.

O que fiz?

Por que não quis, ou sente

Ter-me assim,

Enfim,

Pra sempre?



(luzes sobre o personagem falante)



PHORTES

Não, nem sei

Somente sei

Qu’ainda a amo

Mas prefiro... partir



SÓU

Sim, só pode

Somente pode...

Será que me ama?

Será que volta?

(desesperada)

Por quê? Por quê?

Mil vezes por quê?



PHORTES

Sou da guerra

Sou do sangue

Sou de sangue



SÓU

Teria o meu!



PHORTES

Sou da terra

Sou da guerra

Sou de carne



SÓU

Teria a minha!



PHORTES

Tanto eu queria!

Mas justo não seria:

No amanhecer do dia

Eu haver partido.

“O que terá sido?”

Perguntaria.

Feitiço?

Bruxaria?

A razão do sumiço

Não saberia.



(PHORTES sai de cena)



SÓU

Mais bruxa que eu,

Não há quem seja! (gritando)

Melhor calar (acalmando-se)

Porque s’a Igreja

Desconfiar

‘Me esquarteja’



Mas Phortes, (novamente gritando)

Volte, porque te quero

Senão tua sorte

Senão tua morte

É o que espero!



(entra o COLIBRI, que fica dançando, girando pelo palco)



SÓU

Phortes, te rogo a praga! (gritando)

Colibri, mo traga

Este senhor



COLIBRI

És tu quem manda

Ó fada senhora

Quem sou eu para negar

Tua demanda?

Mas por que choras?

Por que estás a bravejar?



SÓU

É alguém que adoçou-me a boca

E agora parte, covarde!

Mas vá-te logo, ó muriçoca

Antes que seja tarde.





COLIBRI

Mas o que lhe digo?

Conto-lhe da maldição?

E se afugento-lhe ainda mais?

Que caminho sigo?

Mas que aflição!

Matarás o rapaz?



SÓU

Não sejas tolo,

Ó Beija-flor:

O seu consolo

É o meu amor



Traga-o por bem

Dê um jeito!

Se ele vem

Terá aconchego

No meu peito



Mas se não vir...

Ah, Colibri...



Parta já.

Haverás de lho alcançar...



COLIBRI

Com sua benção!



(despede-se, e sai cantando:)



Ó terras floridas

Ó campos sagrados

Protejam minha ida

Guardem meu reinado



Ó terras sagradas

Ó campos floridos

Minhas flores fechadas

Quando eu tiver ido



Ó pétalas cheirosas

Meus doces néctares

Quando estiver fora

Fechem seus lares

ORDEM DE CAVALARIA 8

O INÍCIO


A origem da Ordem dos Cavaleiros do Templo é diretamente vinculada à Primeira Cruzada (1095-09), quando uma legião de cristãos partiu da Europa para o Oriente com o intuito de recuperar o Santo Sepulcro das mãos dos muçulmanos, que o tinha sob seus domínios havia mais de quatrocentos anos.

Foi no Concílio de Clermont, em 1095, que o papa Urbano II convocou os fiéis para uma guerra santa contra o Islão, “É Deus que o quer”, “Ide sob a égide de Cristo” . O papa teria recebido do imperador bizantino Aleixo I Comneno o pedido de ajuda militar contra os infiéis muçulmanos, contudo, muitos outros interesses, legítimos ou não, impulsionaram tanto primeira quantos as outras sete cruzadas, quais sejam, a possibilidade de saquear as cidades que eram tomadas no caminho, acumulando riquezas; de conquistar terras; ou de combater os odiados inimigos pagãos, etc.

Assim, partindo em 1096, e sob as lideranças de Roberto da Normandia, Godofredo de Bulhão, Balduíno da Flandres, Roberto II da Flandres, Raimundo de Tolosa, Boemundo de Tarento e Tancredo, os cruzados passaram “por Constantinopla, onde receberam o apoio do imperador bizantino, os cruzados sitiaram Nicéia; tomaram o Sultanato de Doriléia, na Ásia Menor; conquistaram Antioquia; e finalmente avançaram sobre Jerusalém, conquistada em 15 de julho de 1099, depois de um cerco de cinco semanas.”

Então, Godofredo de Bulhão (ou Bouillon) chefiou Jerusalém até sua morte, em 1100, quando seu irmão, Balduíno I, tomou o título de Rei de Jerusalém em 18 de julho daquele ano.

Jerusalém, por esta época, era um ilha cristã isolada dos condados cristãos de Antioquia e Edessa por vários emirados muçulmanos. O Reino Latino de Jerusalém era, pois, constantemente ameaçado por forças sarracenas que, apesar da derrota na Cruzada, ainda representavam considerável perigo. Além disso, bandos vindos da cidade de Ascalão ameaçavam os peregrinos cristãos que percorriam a estrada que ia de Java à Jerusalém.

Por ser uma “terra sem lei” e possuir áreas vazias em vários pontos da cidade, Balduíno I empreendeu uma política de povoamento em Jerusalém, dando incentivos à imigração e para a permanência dos peregrinos.

Seu primo e sucessor, Balduíno II, que recebeu aquela ameaçada Jerusalém em 1118, então aceitou a oferta de um grupo de cavaleiros dispostos a defender os peregrinos na estrada que unia Java a Jerusalém – linha vital de comunicação, dando origem à Ordem dos Templários.

Edward BURMAN aponta três historiadores que narram a fundação da nova Ordem por estes corajosos cavaleiros:

(1) o arcebispo Guilherme de Tipo, um veemente crítico dos Templários , que, cerca de 50 anos depois dos acontecimentos, relatou ter-se dado a fundação em 1118, quando Hugues de Payens e Geoffroi de Saint-Omer, juntos de outros nobres, fizeram os tradicionais votos da pobreza, castidade e obediência, e receberam do Rei de Jerusalém uma parte ao Norte do Templo do Senhor;

(2) o bispo de Acra (1217-1227) Jacques de Vitry, que teria ouvido a história do Grão Mestre dos Templários Pedro de Montaigu, e relatado mais de um século depois, que em 1119, eram nove os cavaleiros, que serviriam por nove anos, até o Concílio de Troyes (que lhes forneceu a Regra), em 1128; e

(3) o patriarca da Igreja Siríaca de Antioquia, Miguel, o sírio, relatou que após um trágico episódio às vésperas da Páscoa de 1119, quando cerca de 300 peregrinos forma mortos e 60 foram feitos prisioneiros por sarracenos de Ascalão, um grupo de trinta cavaleiros liderados por “Hou[g] de Payn”, recebeu do rei a Casa de Salomão para sua residência e algumas aldeias para seu sustento.

BURMAN rechaça a hipótese de haver qualquer razão mística, “conspiração secreta – ou um conhecimento recém-descoberto” no episódio da fundação, e enumera, citando Du Cange, os nomes dos supostos primeiros cavaleiros do Templo: Hugues de Payens, Geoffroi de Saint-Omer, André de Montbard, Gundomar, Godofroy, Roral, Geoffrey Bisol, Payen de Montdésir, e Archambaud de Saint-Aignan.

Contudo, o próprio BURMAN admite a hipótese da decisão de fundar-se a Ordem haver sido tomada ente 1113-15, quando Hugues de Champagne, suserano leigo de Hugues de Payens e grande proprietário de terras na França do século XII, esteve no Oriente. Hugues de Champagne, doador da terra para a fundação da abadia de Claivaux para (São) Bernardo, teria se encontrado com Payens em 1113, três anos antes de uma provável visita deste à Terra Santa (1116). BURMAN reconhece que o papel de Hugues de Champagne na fundação da Ordem do Templo permanece pouco claro.

Já o português Pedro SILVA defende que Hugues de Champagne esteve com São Bernardo em 1114, quando arquitetaram os fundamentos da futura ordem. SILVA, ainda, aponta Pay[e]ns como a “última vértice do triângulo fundamental nos primórdios da constituição da ordem religiosa” , que funda, em 1118, a ordem religiosa Pauperes Commilitiones Christi Templique Salomonis (“Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão”), os Templários, que adotaram a divisa Non nobis, Domine, non nobis sed nomini tuo da gloriam (“Não para nós, Senhor, não para nós a glória, mas só em teu Nome”). Os Templários teriam recebido de Balduíno I (!) modestas acomodações do Templum Salomonis.

O próprio Hugues de Champagne teria juntado-se formalmente à Ordem dos Templários em 1125.

Fundada a Ordem, e após alguns anos de atividade discreta e até enfrentando dificuldades, Hugues de Payens, em 1126, teria viajado de Jerusalém para o Ocidente, a fim de recrutar novos cavaleiros e buscar apoio à nova Ordem.

BURMAN cita o Cartulário da Ordem que inicia com uma carta de Balduíno II (escrita, a julgar pela data de sua morte, ante de 15 de outubro de 1126) a São Bernardo, recomendado-lhe dois cavaleiros (Hugues de Payens e André de Montbard, tio do destinatário), pedindo-lhe que obtivesse a aprovação papal: “Os irmãos Templários, que Deus criou para a defesa de nossa província e aos quais concedeu proteção especial, desejam obter aprovação apostólica e também um Regra para governar suas vidas” .

Crê-se que a viagem de Payens foi exitosa, angariando fundos com doações de nobres e comerciante. Do Ocidente, teria enviado uma carta de encorajamento aos irmãos templários em Jerusalém, documento escrito em latim erudito, com constantes referências às Escrituras Sagradas, lançando o termo “monges-guerreiros” (salientando que, no entanto, deveriam ser mais clérigos que militares), apontando o demônio, senhor do orgulho e da ambição, como o responsável pelo enfraquecimento da vocação inicial dos cavaleiros, e enaltecendo a paciência, a humildade, a perseverança e a responsabilidade como caminhos da salvação.

ORDEM DE CAVALARIA 7

O Templo e a Ordem dos Templários



Procurando vislumbrar “um pouco da história oculta dos Templários”, o Príncipe Asklépius D’SPARTA , afirma que Hugo de Payns, Godofredo de Saint Omer e mais sete cavaleiros, teriam sido encarregados por Bernardo de ‘Claravaux’, um “grande iniciado”, para um trabalho arqueológico nas ruínas do Templo de Salomão a procura da Arca da Aliança, das Tábuas da Lei, do Santo Graal, e da grande biblioteca judaica, esta última contendo os “muito bem guardados segredos da arquitetura”. Isso explicaria o notável avanço arquitetônico na construção de catedrais na Europa, entre 1130 e 1180, com a ascensão do estilo gótico, bem como a razão pela qual os Templários, em 1127, foram recebidos “com honras e glórias pelos reis e nobres”, e ainda pelo próprio Papa.

Mas como poderiam aqueles cavaleiros achar, depois de dois mil anos de destruições e pilhagens, a Arca da Aliança nas ruínas da Casa de Deus, se era justamente a principal peça do Templo construído, inclusive, para guardá-la?

Edward BURMAN, tratando da origem da Ordem do Templo, rechaça a hipótese de haver qualquer razão mística, “conspiração secreta – ou um conhecimento recém-descoberto” no episódio. Admite, entretanto, circunstâncias obscuras no surgimento da Ordem dos Templários: a decisão de fundar-se a Ordem teria sido tomada entre os anos de 1113 e 1115, quando Hugues de Champagne, suserano leigo de Hugues de Payens e grande proprietário de terras na França do século XII, esteve no Oriente. Hugues de Champagne, doador das terras para a fundação da abadia de Claraval (ou Clairvaux ) para São Bernardo, teria se encontrado com Payens em 1113, três anos antes de uma provável visita deste à Terra Santa (1116). O autor reconhece que o papel de Hugues de Champagne na fundação da Ordem do Templo permanece pouco claro.

Piers Paul READ propõe que, em 1104, o conde ‘Hugo’ de Champagne esteve na Terra Santo acompanhado de um grupo de cavaleiros (dentre os quais desconhece se estava ‘Hugo de Payns’). Em 1114, o conde voltaria a Jerusalém, agora (certamente) acompanhado do vassalo, ali deixando-o para, oferecendo apoio ao rei Balduíno II e a Warmund de Picquigny, patriarca de Jerusalém, fundar a Ordem no Natal de 1119. Hugues de Champagne teria se juntado formalmente à Ordem dos Templários em 1125.

Já o português Pedro SILVA defende que Hugues de Champagne esteve com São Bernardo já em 1114, quando arquitetaram os fundamentos da futura ordem. SILVA aponta, ainda, ‘Payns’ como a “última vértice do triângulo fundamental nos primórdios da constituição da ordem religiosa” , que funda, em 1118, a ordem religiosa Pauperes Commilitiones Christi Templique Salomonis, os Templários, por terem recebido de Balduíno I (!) modestas acomodações do Templum Salomonis.

O que se pode arriscar é que Hugues de Payens, vassalo do conde Hugues de Champagne, foi ter com o Balduíno II já com o propósito predeterminado de fundar a Ordem (se é que já não havia sido fundada), tendo recebido (exigido ou negociado) do Rei de Jerusalém as ruínas do Templo de Salomão. Se ali descobriram ou não algum segredo, jamais se saberá. Mas é certo que uma Ordem de cavaleiros, dentre tantas que nasciam e morriam naqueles tempos, que tinha a função de proteger os peregrinos que visitavam a Jerusalém recém reconquistada, recebeu honrarias e donativos exagerados para a simplicidade daquilo a que se propunham, sendo inclusive convocado um Concílio (de Troyes) para a obtenção da benção papal e aprovação de sua Regra.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

ORDEM DA CAVALARIA 6

O valor religioso do Templo

Para os judeus – O Templo de Salomão era o símbolo maior da fé judaica – a Casa de Deus, onde podia ser encontrado (Números, 17:4); onde Ele habitava no meio do povo (1 Reis, 6:13).

Foi o prédio construído pelo mais sábio e mais glorioso Rei de Israel, Salomão, filho de Davi, de acordo com um projeto do Tabernáculo entregue pelo próprio Deus nas mãos do patriarca Moisés, quando os hebreus atravessavam o deserto a caminho de Canaã. O Templo guardava a Arca da Aliança, também construída sob as ordens do Senhor, lembrança do pacto firmado para ser eternamente o Deus daquele povo.

Ademais, lembremo-nos que o Monte Moriá é ainda sagrado por ter sido ali onde Abraão, em nome de Deus, quase matara seu filho Isaque, bem como o local em que Davi encontrou e acalmou o Anjo que vinha destruir Jerusalém.

Para os cristãos – Apesar de Jesus trazer uma nova concepção de “templo”, o Templum Salomonis, reconstruído por Herodes, tem importância para os cristãos por ter sido palco de algumas passagens da vida do Messias: Jesus ali esteve, desde criança, por várias oportunidades durante as Páscoas, em companhia de seus pais José e Maria. Em uma dessas ocasiões, teria se perdido e, após procurado por três dias, encontrado entre os professores e doutores da Lei, dialogando de igual para igual (Lucas. 2:41-50).

Em outra ocasião, Jesus, já homem feito e tomado de cólera diante da vulgarização do culto com as tantas operações mercantis que faziam do Templo mais um mercado que um lugar de orações, “passou a expulsar os que vendiam e compravam, derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas” (Marcos, 11:15), purificando o Templo, que mais parecia um “covil de ladrões”. Além de vários sermões, ensinamentos e curas no pátio do Templo, o apóstolo evangelista João conta que Jesus chegou a sair correndo, fugindo do apedrejamento dos judeus (João, 8:59).

Mas talvez o fato mais misterioso da ligação de Cristo com a Casa de Deus foi quando aquele padeceu na cruz, e “(…) o véu do templo se rasgou em dois, de alto a baixo” (Mateus, 27:51), expondo o Santíssimo Lugar aos impuros e profanos olhos do mundo.

Para os muçulmanos – O Templo de Jerusalém, para os descendentes de Ismael, era masjid el-aksa, “o mais distante Templo”, referente a uma visão que Maomé teria tido em 620 d.C., em que voava montado em um corcel até o monte Moriá, ou Sião, para encontrar-se com Abraão, Moisés e Jesus, ascendendo ao trono de Deus, passando pelos sete céus, conforme descrito em 17:1 do Alcorão .

SÓU E PHORTES (um romance) 3

DE COMO TODA ESSA NABA COMEÇOU (em ópera)

(entra o PLEBEU, com um violão e passa a tocar; pára um instante e olha para o público)



PLEBEU

O que é uma ópera?

(volta a tocar e fala enquanto toca)

Impõem-nos que ópera seria um drama cantado, com orquestra ao lado... de quando em vez travam-se diálogos ou se declama cantos, acompanhados sempre por um instrumento musical... um drama lírico... logo, um drama musical.

Mas (levantando-se) descobrimos que, na verdade, ópera é uma oração:

Uma oração triste... que arrepia os mortais e entusiasma os anjos...

Sim... os anjos que, não raro, acompanham a melodia e aplaudem, apaixonados, com suas asas.

Provemos seu sabor.

(fica em silêncio, abre um sorriso para a platéia)

Temos a honra de lhes apresentar a opereta...





Sóu & Phortes





... que tem por pano de fundo o terceiro dia da festa de Teobaldo, o Bravo, quando Phortes, seguindo o vão conselho de Henrique, chora em uma pequenina praça a desilusão do amor perdido na distância do palanque de dois dias atrás...



DOCE INTRÓITO



CAVALEIRO

Quando Phortes seus olhos levantou

Não tardou se desfazer o sentimento

Que lhe fazia viver tanto tormento:

Solidão.

Sóu, espalhafatosa, cruzara a praça

E sem graça, naquele olhar perdeu

Sua história, um passado que era seu:

Solidão .

Ele, um cavaleiro honrado,

O futuro renegou.

Ela, de coração ensimesmado

Ali na rua, repensou.

Destinos presos, manhã solta

Conheceram, cada qual, sua parte outra.

‘Cá comigo’ – estendeu a mão a bela.

Ele sorria... entregou a destra a ela.

Meio-dia, a cidade parada, estava quente.

Uma da tarde, mãos dadas apenas, se olhavam somente.

Duas da tarde, eles parados, a cidade insistentemente

Os olhava, curiosa.

No fim daquela tarde rosa

Phortes soube que ambos eram...

Sóu, dona foi da certeza: sim, eram

Uno, eterno e belo

Uno, eterno e belo, juntos os dois

Porém propôs:

‘Provemos desse amor e se desse amor, algo é completo.’

E de coragem repleto, Phortes bramiu:

‘A Noite há de nos dizer!’





a opereta, enfim...







ATO I



SÓU DESAFIA A NOITE EM PLENA RUA



SÓU e PHORTES

Se desejávamos o porquê

Por que razão a afrontamos?

Se só queríamos saber

A desafiamos por quê?



(silêncio... som de passarinhos e latido de cães - som de rua tranqüila)



SÓU

Nesta tarde o que nos resta

É aguardar nascer a Lua

Sentar sorrindo à rua

E descobrir tão-só a nua

Face da Vida

Forças da Noite



(silêncio... crianças que brincam, som vai sumindo...)



SÓU

É conhecer que não presta

Tanta verdade crua

Que aflige, não recua

E, fria e lúcida, nos rotula



CORAL (representando a Noite)

Fracos diante de mim

Frágeis perante os céus

Vulneráveis debaixo do véu

Porque reagir não sois capazes



(longo silêncio... começa música clássica que vai ganhando força, devagar)



SÓU

O vento passa e nos ensina:



(passa o Vento, correndo e sussurra)



VENTO

‘Olhem o rosto um do outro, já basta!’

‘Esqueçam do mundo lá de cima.’

‘Fruam o gosto dos lábios outro do um... apenas.’



(música atinge o seu ápice e pára de repente... começam os tambores)



SÓU

A aurora levanta e nos aponta

Mas não é ela legítima!

É simplesmente ciumenta

Pois que afronta a paz

Que nos empresta a indiferença

À tristeza

De nos saber...



(tambores altos e, mais alto que os tambores, SÓU)



SÓU

Sim sim sim



(penumbra, de repente... junto com o silêncio. Sóu cai no chão e o som vai aumentando)



CORAL

Fracos diante da Noite

Frágeis perante os céus

Vulneráveis debaixo do véu

Porque reagir não sois capazes

Porque reagir não sois capazes



(num pulo, Sóu se levanta e de forma rebelde)



SÓU

No entanto vivos, Sóu e Phortes

No entanto livres, Phortes e Sóu

Porque juntos um do outro



(Sóu sai de cena, debochando da Noite, ao som de carnaval. Finda a música)



CORAL

Porque são mulher e homem

Porque são mortais

E como tais

O amor consome...

O sonho arrasta...

Deus admite



ATO II

PHORTES DESAFIA A CRUZ EM CAMPO DE FLORES-DE-LIS





PHORTES

Ei, tu!

O amor me alcançou

Da forma que temias.

Eu, que cá vim por tanto,

Portanto te peço:

Te admitas vencida

E do teu alto me abençoes

Nem que soe

Falso.

Trago comigo

(Sóu sai por detrás de Phortes)

O rosto amado

Meu ombro amigo

Teu poder quebrado.



CORAL (representando a Cruz)

Pobres acham que podem

Fracos crêem que podem

Nada é o que são.

Se os quero distintos

Distintos serão

Minha benção?

Não.



PHORTES

Ei, tu

Arguciosa que há pouco norteavas

Caminho puro e de pó

Tenhas dó

Do que une Sóu e Phortes!

Compreendas, ao menos

E terás consolo

Porque voltar atrás, senhora, não farei.

Porque o Amor de Phortes contém

Mais que tua benção

Mais que tua insolência

Mais que tua permissão:

Possui a convicção

De Sóu.





CORAL

Pobres acham que podem

Fracos crêem que podem

Nada é o que são.

Se os quero distintos

Distintos serão

Minha benção?

Não.





PHORTES

Ei tu,

Reflexo da cegueira,

Queiras ou não queiras

Perder-me-ás para sempre

Não te defenderei mais

Entrego-me a paz

Qu’o colo de Sóu mo traz

Porque somente Sóu quem faz...



CORAL (interrompendo)

Pobres acham que podem

Fracos crêem que podem

Nada é o que são.



PHORTES

Pobres sei que somos

Fracos não mais

Nada te propomos

Teu poder, Senhora, aqui jaz.



CORAL

Cavaleiro, não faça

Graça

Do poder da Ordem

Tu e Sóu não podem

Não devem, nem vão

Consolidar esta união

Minha benção,

Jamais terão.



SÓU

Escute, meu bem:

Quem lá vem?



VENTO

‘Olhem o rosto um do outro, já basta!’

‘Esqueçam daquela do altar.’

‘Fruam o gosto dos lábios outro do um... apenas.’

‘Não haverão de os separar!’



PHORTES

Não acreditas no que digo?

Pouco importa,

Não mais te sigo!

Sim, somos frágeis...

Sim, somos pobres...

Mas, somos ágeis

E somos jovens

Podes até não permitir...



SÓU

Mas hás de um dia cair!



PHORTES

E não serei eu a te levantar

Lembrarás com pesar

Do instante maldito...

Em que me disseste ‘não’



CORAL

Ameaças... ameaças

Ó, que medo! (irônica)

Melhor pensando, lhos concedo

A MINHA MALDIÇÃO!

Concedo-lhes então

A MINHA MALDIÇÃO!



(Phortes e Sóu saem fugindo e rindo)

O TERMO INICIAL PARA PAGAMENTO VOLUNTÁRIO DA SENTENÇA (ART 475-J, CPC) NO CASO DE TRÂNSITO EM JULGADO NA INSTÂNCIA SUPERIOR

O art. 475-J, CPC, estabelece que o devedor deverá pagar voluntariamente a sentença condenatória de obrigação de pagar sob pena de incidência de multa de 10% sobre o valor da condenação (submetendo-se, ainda, a novos honorários sucumbenciais – cf. entendimento do STJ). Diante da lacuna da lei acerca do termo a quo deste prazo de 15 dias, o STJ entendeu que este começa a fluir do trânsito em julgado.

Transitando em julgado na 1.ª instância, não existe dúvida ou dificuldade para o cumprimento voluntário.

Mas quando o trânsito se dá nas instâncias superiores e, portanto, sequer os autos estão disponíveis no cartório de primeira instância? Qual o prazo? Como proceder?

Veja julgado do TJSC no www.prof-efeagah.blogspot.com

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

DO CABIMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NA FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ART. 475-J, DO CPC. LEI N.º 11.232, DE 22/12/2005. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO ESPONTÂNEO APÓS O PRAZO QUINZENAL. CABIMENTO. ART. 20, § 4.º, DO CPC. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.

1. Os honorários advocatícios, na nova sistemática inaugurada pela Lei n.º 11.232, de 22 de dezembro de 2005, são cabíveis nas hipóteses em que não ocorre o pagamento espontâneo da dívida após decorrido o prazo previsto no artigo 475-J, do Código de Processo Civil, fixados pelo juiz à luz do § 4.º, do artigo 20, do mesmo diploma.

2. É que a novel lei adveio com o escopo de compelir o cumprimento da sentença; razão pela qual conjurar o ônus significa encorajar o não-cumprimento da sentença e atentar contra a mens legis.

3. O artigo 475-R, do CPC, dispõe que se aplica ao cumprimento da sentença as regras da execução extrajudicial que, no artigo 652-A, do CPC, incluído pela Lei n.º 11.382, de 6 de dezembro de 2006, prevê deva o juiz fixar honorários ao despachar a execução extrajudicial, porquanto, o descumprimento de obrigação constante de título extrajudicial equivale ao descumprimento da sentença.

4. É cediço na Corte Especial que:

[...]

- A alteração da natureza da execução de sentença, que deixou de ser tratada como processo autônomo e passou a ser mera fase complementar do mesmo processo em que o provimento é assegurado, não traz nenhuma modificação no que tange aos honorários advocatícios.

- A própria interpretação literal do art. 20, § 4º, do CPC não deixa margem para dúvidas. Consoante expressa dicção do referido dispositivo legal, os honorários são devidos “nas execuções, embargadas ou não”.

- O art. 475-I, do CPC, é expresso em afirmar que o cumprimento da sentença, nos casos de obrigação pecuniária, se faz por execução. Ora, se nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, a execução comporta o arbitramento de honorários e se, de acordo com o art. 475, I, do CPC, o cumprimento da sentença é realizado via execução, decorre logicamente destes dois postulados que deverá haver a fixação de verba honorária na fase de cumprimento da sentença.

- Ademais, a verba honorária fixada na fase de cognição leva em consideração apenas o trabalho realizado pelo advogado até então.

- Por derradeiro, também na fase de cumprimento de sentença, há de se considerar o próprio espírito condutor das alterações pretendidas com a Lei nº 11.232/05, em especial a multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC. Seria inútil a instituição da multa do art. 475-J do CPC se, em contrapartida, fosse abolida a condenação em honorários, arbitrada no percentual de 10% a 20% sobre o valor da condenação.

[...] (REsp 1.028.855/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/11/2008, e publicado no DJe de 05/03/2009)

5. Precedentes jurisprudenciais: REsp 1084484/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 06/08/2009, DJe 21/08/2009; AgRg no Ag 1012843/RS, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 06/08/2009, DJe 17/08/2009; REsp 1054561/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 03/03/2009, DJe 12/03/2009; AgRg no REsp 1036528/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 16/12/2008, DJe 03/02/2009.

6. In casu, a ora recorrente ingressou com pedido de cumprimento da sentença de fls. 57/66, dos autos digitalizados, em lide na qual contende com a SUPERINTENDÊNCIA MUNICIPAL DE TRÂNSITO E TRANSPORTE - SMT, de Goiânia/GO, onde restaram fixados pelo juízo de primeira instância (fl. 76, dos autos digitalizados) honorários advocatícios no valor de R$ 300,00 (trezentos reais) que, em momento posterior, entendeu incabíveis à luz da nova sistemática introduzida pela Lei n.º 11.232, de 22 de dezembro de 2005. (fls. 82/84, dos autos digitalizados)

7. Recurso especial conhecido e provido."

(STJ – 1.ª Turma – Rel. Min LUIZ FUX - REsp 1165953 / GO – j. em 24.11.2009 – p. em 18.12.2009)

Ou seja, vencido o prazo de 15 dias para o cumprimento voluntário da sentença condenatória de obrigação de pagar, sobre a mesma deverá incidir, além da multa de 10% (art. 475-J, CPC), honorários no percentual de 10% a 20% sobre o valor da condenação (art. 20, § 4.º, CPC).
 
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SÓU E PHORTES (um romance) 2

A VISITA



Veio-lhe no sonho – parecia tão real! – a imagem de sua mãe entregando-lhe um frasco de perfume com cheiro que não lhe era estranho: era o odor que lhe invadia as entranhas quando, ao desferir o golpe fatal no inimigo, sentia a primeira gota de compaixão. Gelou-lhe o sangue que percorria o corpo na lentidão de seu coração sem pressa.
Com o dorso arrepiado e um pesar no peito, acordou na lembrança da mãe morta. Procurando o cavalo, olhou em volta e viu, contra a fogueira, o vulto de um homem (?) sentado, fitando-lhe. Esfregou os olhos, no sincero desejo daquilo haver sido mera impressão. Não era.
Procurou a lâmina sob a sela, agarrou-a e, num pulo, tentou erguê-la em ataque ao mal-vindo visitante. Eis que a arma se fez mais pesada que nunca, enquanto o sujeito, inerte, contemplava o gesto ridículo do bravo.

PHORTES (em prosa)

Por Deus! Quem és?

BICHO (rindo)

Ousas carregar nos lábios
O Parafraseado por tidos sábios...
Tão cantado no liceu...
Aquele inimigo meu
Que, há tanto, te esqueceu!

PHORTES (em prosa)

Quem és? O que queres?

BICHO

Não sabes o que quero?
Ser-te-ei, então, sincero:
Tu mo dás com freqüência
Na Daquele ausência
Nessa tua vida pobre,
Violenta e nada nobre:
A dor de um filho quando,
Com o regresso do pai sonhando,
Desalenta-se sobre a mortalha
Na volta da tropa da batalha;
Inocentes sonhos de quem tem nada
Destruídos pela lâmina enferrujada
Das tuas vis razões;
Sorrindo em matar quem nem conheces,
Diriges ao deus do Mau mil preces
Por motivos que ignoras,
E nem por isso coras!
Por causas que tuas nem são,
Defendes o luxo e a traição
E perpetuas a maldição...

PHORTES (em prosa)

Vindes, então, buscar-me a alma?

A platéia de almas penadas, que pela primeira vez Phortes pôde ver, aguardou ansiosa a resposta do Estranho.

BICHO

Não serás desforçado
Pois que és por mim amado.
Nobre soldado do terror,
Devo, sim, a ti louvor!
Vim te oferecer meu mundo.
Abandona, assim, esse teu imundo.
Ser-me-ás um capataz!
Prove-me, porém, antes ser capaz:
Nessa vida sem pretensão
Deixastes, perdido, um coração.
Foi há pouco tempo atrás,
Quando não a desejaste assaz.
Sentias-te, como nunca, feliz.
Saiba, pois, que ela também o quis.
Mas achastes que pro amor não estavas pronto
Partistes a galope, sem qualquer confronto.
Sei, meu filho, que tua alma ardia
Mas era a moça quem mais sofria:
Chorando as mágoas para um colibri
Eis que era eu que o era ali
E, pela dor dela, sorri.

PHORTES (em prosa)

Só nela penso desde então! Do meu arrependimento tiro forças para não voltar e, nem que por um único instante, revê-la. 

Sobre Phortes ventou a lembrança de quando, covarde, fugiu.

"Perante a cruz que carrego ao peito, eu juro
Manter-me vivo só para ti, meu bem
Seja feliz de alguma forma, mas prometa
Sobreviva linda para mim também"

Fitou, perdido, o escapulário que fizera sua mãe, agora prova de sua covardia.

BICHO

Phortes, és um homem
De luxúria sentes fome,
Mas distingas, não confundas,
Ou o amor será tua tumba!
Tens que saber
Só desejar prazer.
Deves, sim, voltar,
Nela, enfim, descansar
E fazer-lhe um filho
Um futuro maltrapilho!
O teu legítimo sucessor
Que não saberá o genitor:
É que partirás ao fim da noite
Na alma da nobre, um novo açoite.
Assim, tornar-te-ás forte
E a mim, um leal suporte:
Meu mensageiro da morte.

PHORTES (em prosa)

Vens me oferecer poder e imortalidade! Para isso devo destruir aquilo de que mais belo desejei nesta vida de horrores? Se tua proposta recusar, levar-me-ás contigo para a ardência de teu Reino, feito escravo?

BICHO

Se a mim disseres ‘não‘
A ti não haverá perdão!
Por estes vales sobrarás
Eu não te quererei mais!
E sabes que O do Bem
Desdenha-te também.
Basta continuares como és
E o mundo cairá a teus pés.
Aceite a oferta que te ofereço
E toda riqueza será só o começo.
Vá até aquela,
E de forma singela,
Prometa-lhe todo o teu amor
Mas lhe empreste toda a dor:
Sem te acanhar, suma!
Perca-te em meio às brumas!
O destino, depois, tudo arruma...

PHORTES (em prosa)

Deves dar a ela, então, sossego após, nem que seja na morte. Ao rebento, conformismo e bondade. Assim, ser-te-ei vassalo.

BICHO

Negociar comigo ousas...
(furioso)
Tolo!
Tua vida em mim repousa!
Cala-te, faça o que digo
E em mim encontrarás abrigo.
Deita-te, durma agora!
Amanhã, em primeira hora,
A galope, rume ao Norte
Ao encontro de tua sorte.
Este cão contigo vai:
Será tua lembrança minha,
Teu novo pai.

PHORTES (em prosa, apontando para os espíritos)

E quanto a estes pobres?

BICHO

Não mais os terás por perto.
Declaro todos libertos.

PHORTES

Por tempo tanto, sem algum amigo...
E estes a viajar comigo...

BICHO

És predisposto ao Mau:
Começas, a mim, falar igual!
Durma agora, desgraçado,
Ou amanhã estarás cansado.

PHORTES

Sed fiat voluntas tua.

Phortes repetiu a frase de Cristo, e que sempre respondia aos seus senhores num gesto de respeito. O Bicho arrepiou-se.

SÓU E PHORTES (um romance) 1

O CAVALEIRO SOLITÁRIO



Da silhueta elegante que sobre um cavalo se aproximava de mais um vilarejo (dentre tantos naqueles meses de solidão), transformou-se a figura de Phortes, um cavaleiro que abdicara das glórias do amor e da vida militar para errar de guerra em guerra, como vassalo do da melhor oferta. A lã grossa que lhe afastava o frio dava a impressão de sujeira, enquanto a espada descansava, embora por pouco tempo naquele repouso merecido, na bainha. No alto do rosto, o olhar trazia a modorra dos tantos corpos que viu tombar em batalha pela Ordem Terceira ou não. Assobiava melodias somente suas.

Pensou apear do animal, mas de soslaio olhou para o tímido sol e decidiu seguir viagem para evitar pernoitar ali, tão longe donde planejara. Atravessou, então, aquela meia dúzia de casebres com desinteressados acenos de cabeça, indiferente ao sofrimento daqueles míseros que viviam por ali e cruzavam-lhe a cavalgada mansa. Seguiu acompanhado apenas dos seus espíritos escravos – cinco fiéis adversários cuja vida roubou num campo de batalha. Naquele olhar gípseo, não se descobria remorso algum.

Pois que um cão do povoado seguiu-lhe até certa altura, virou-se, viu-se perdido e, como o cavaleiro, tudo abandonou e se entregou ao acaso. Phortes sorriu pelo novo companheiro e, por ventura, uma boa janta.

Aquela tropa de sofridos continuou, num silêncio triste, até confundir-se o horizonte com o céu, dado o crepúsculo com seu aspecto sepulcral.

O cavaleiro, seu bando e seu cão chegaram à velha ponte de pedra de algumas centenas de anos, abrigo certo dos viandantes. Já era hora de fazer fogueira.

Phortes ateve-se a um pedaço seco de carne para saciar sua fome e presenteou o cachorro com restos do pão que acompanhou-lhe a refeição. Acomodou-se no chão úmido, tendo a sela por apoio à cabeça.

Havia sido mais um dia igual na vida deste pobre de pensamentos complexos e palavras simplórias; nem bem fechou os olhos, adormeceu.

CONSTRUINDO UM MUNDO EM VOLTA 1

No Capítulo LVII, do livro O SEGREDO DO MEU AVÔ, Gabriel liga para a casa de Rodrigo a fim de  informar a turma do resultado de sua pesquisa:

“O telefone tocou.
_ Ô bicho, eu havia me esquecido de comentar. Ontem eu fiquei navegando na internet até quase de cinco horas da manhã. Descobri que essa tal Ex Odum era fabricada por uma cervejaria que existiu em Blumenau entre 1885 e 1912. Quer dizer: nunca houve 'safras' 1924 e 1921!”

Eis, senhoras e senhores, o tal texto consultado por Gabriel na véspera:

"Cervejaria Schlichting, desde 1878

No ano de 1878 os irmãos Ewald e Friedrich Schlichting, imigrantes dinamarqueses oriundos da província de Schleswig Honstein, fundaram na região das Itoupavas, Colônia de Blumenau, a famosa Cervejaria Schlichting.
Artesanal, mas respeitando os mais rigorosos tratados de fabricação de cerveja do Velho Continente, a Cervejaria Schlichting oferecia aos exigentes apreciadores do líquido três qualidades de cerveja: a “ExCelência”, produzidas por leveduras de alta fermentação; a “ExOdum”, de baixa fermentação, mais encorpada; e “ExDoppel”, do tipo Bock.
A Cervejaria Schlichting funcionou até meados de 1912, quando Friedrich faleceu, sem deixar herdeiros."

Continuação do indigitado Capítulo LVII:

"Rodrigo retransmitiu a informação. Eduardo não se conformou:
_ Putz, em vez de facilitar complicou tudo!
_ Muito pelo contrário: nunca ficou tão claro que se trata de uma pista. O problema é saber que tipo de pista é essa... – disse James, desanimado.
O Tio Franz voltava do banheiro naquele instante, tendo lhe perguntado Rodrigo:
_ O senhor lembra de ter bebido alguma vez essa tal cerveja 'Ex Odum'?
_ Não. Aliás, me negaria a beber uma cerveja com nome bíblico...
_ Como assim?
_ Ora, 'exodum' significa 'Êxodo' em Latim, aquele livro do Antigo Testamento..."

ZUR FRIEDENSPALME

Nada mais justo seria, após um longo e cansativo dia de trabalho sob um calor sufocante, gozassem de um descanso para o corpo dolorido e mãos calejadas. Mas alguns daqueles primeiros imigrantes, mui discretamente e devidamente paramentados com seus aventais de pele de carneiro, preferiam investir suas noites em debates filosóficos em busca do aprimoramento moral e intelectual. Eram meados de 1850...

O início da colonização do Vale do Itajaí tratou-se, na verdade, de uma audaciosa ocupação de um território incrustado na Mata Atlântica nativa, tendo os primeiros imigrantes alemães que enfrentar as dificuldades impostas pelas circunstâncias, como moléstias tropicais, insetos, animais selvagens e peçonhentos, clima adverso e bastante diverso do europeu, ausência de qualquer estrutura, etc., principiando uma das mais fantásticas histórias de bravura e persistência de nosso país, liderada pelo Dr. Blumenau.

Filho de Karl Friedrich Blumenau e Christine Sophie Kegel, Hermann Bruno Otto Blumenau nasceu em 26 de dezembro de 1819, em Hasselfeld, na Alemanha e foi iniciado na maçonaria na Loja “Carl zur gekrönten Säule”, da cidade de Braunschweig, no ano de 1845. Já com a idéia fixa de erguer uma colônia no sul do Brasil, o químico-farmacêutico Hermann Bruno optou por ingressar na Loja “Libanon zu den 3 Cedern”, da cidade de Erlangen, em 1.º de fevereiro de 1849, meses antes de partir para o novo mundo, onde fundaria a Colônia Blumenau a 2 de setembro do ano seguinte.

Os primeiros indícios – Os primeiros anos foram especialmente difíceis, mas graças à obstinação daqueles intrépidos desbravadores, a Colônia Blumenau foi aos poucos prosperando, sendo que durante a primeira década de existência surgiram vários grupos sociais, do teatro aos clubes de caça e tiro. A maçonaria, no entanto, até então não conseguira se fixar, conforme noticiou o Pastor (e apontado por alguns historiadores como maçom) Rudolph Oswald Hesse no jornal “Kolonie-Zeitung”, de Joinville, em agosto de 1863: “Local de divertimento e sociedade encontramos em 8 estabelecimentos com bares respectivamente restaurantes. A vida cultural é representada na Associação Cultural, uma associação de canto orfeônico, um teatro de amadores e uma sociedade de tiro ao alvo: sòmente a maçonaria até esta data não conseguiu progredir satisfatòriamente.”

Em 1864, numa longa viagem à terra natal para resolver questões pertinentes ao desenvolvimento da colônia e mesmo de ordem pessoal, Dr. Blumenau acabou ingressando na Loja “Absalom zu den drei Nesseln”, n.º 01, de Hamburgo, a mais antiga loja da maçonaria moderna da Alemanha, onde alcançou os graus de Companheiro e Mestre Maçom.

Regressando à sua colônia em 1869, Dr. Blumenau encontrou-a com 5.985 almas e, provavelmente com o aval (senão a missão) da loja hamburguesa, fundou já em 1870 e junto dos outros maçons cá residentes uma comunidade maçônica denominada “Zur Friedenspalme” (À Palmeira da Paz), que obrava no Rito Schroeder, conforme rituais trazidos pelo fundador da Alemanha.

A fundação oficial – Apesar de congregar os mais expoentes cidadãos da colônia – como Wilhelm Scheeffer, Otto Stutzer, Louis Altenburg Sênior, Gustav Salinger (fundador e primeiro presidente da Associação Comercial do Vale do Itajaí, atual ACIB) e Peter Christian Feddersen (grande empreendedor, por vários anos presidente da ACIB e merecidamente alcunhado de “Mauá Blumenauense”) – a Loja “Zur Friedenspalme” durante muitos anos operou irregularmente, eis que era objeto de uma intensa disputa diplomática entre o Grande Oriente do Brasil e a Grossem Loge von Hamburg (problema semelhante enfrentou a Loja “Deutsche Freundschaft Zum Südlichen Kreuse”, de Joinville).

Somente em 10 de novembro de 1885, após o retorno definitivo de Dr. Blumenau para a Alemanha, a Loja Maçônica “Zur Friedenspalme” foi finalmente instalada, sob os auspícios da Grande Loja de Hamburgo, que havia exarado a Carta Magna de Reconhecimento em 24 de junho daquele ano.

Os trabalhos eram realizados numa antiga casa de colono situada no bairro Vorstadt, que serviria posteriormente como asilo, depois residência e que atualmente dá lugar ao Hospital Santo Antônio.

Muito da documentação infelizmente acabou se perdendo ao longo dos anos: não bastassem as constantes cheias a que estava exposta a cidade de Blumenau, no ano de 1933 o Partido Nazista alemão confiscou variada documentação maçônica, comprometendo o acervo histórico da Ordem na Alemanha e, por conseguinte, da loja blumenauense oitocentista.

Nada obstante, uma preciosa documentação que resistiu respeita ao contato com os maçons da Loja “Zur Eintracht”, de Porto Alegre, que doaram à Colônia Blumenau 2:667$000 (dois contos e seiscentos e sessenta e sete mil réis), numa imprescindível ajuda para seu reerguimento após a grande enchente de 1880 (16,80m), que devastou todo o vale do rio Itajaí-Açu.

O ocaso - Em decorrência da turbulência política que assomou Blumenau e Santa Catarina na última década do século XIX, e do rastro de destruição física, social e moral deixado, a loja blumenauense enfraqueceu porque sucumbiu à infiltração de assuntos puramente políticos em suas reuniões.

A “Zur Friedenspalme”, a primeira Loja Maçônica do Vale do Itajaí, teria funcionado até meados de 1900, quando abatera definitivamente suas colunas, citando-a os Calendários Maçônicos Alemães até o ano de 1901.

Apesar do encerramento de suas atividades, o legado da Loja “Zur Friedenspalme” pôde ser sentido século XX adentro, mediante a atuação dos membros formados em suas fileira nos diversos segmentos da sociedade blumenauense, liderando projetos e iniciativas que fizeram do Vale do Itajaí uma das regiões mais prósperas do país.


Para saber mais:

SILVA, Fernando Henrique Becker Silva. Zur Friedenspalme: A primeira loja maçônica do Vale do Itajaí. Blumenau: Editora Vale das Letras, 2005.

KORMANN, Edith. Blumenau: arte, cultura e as histórias de sua gente (1850-1985). vols.1 e 2. Florianópolis: Paralelo 27, 1994.

PROBER, Kurt. Catálogos das medalhas Maçônicas Brasileiras. 2a. ed. ampl. Paquetá: Princeps Gráfica e Editora Ltda., 1988.