quinta-feira, 8 de julho de 2010

SAUDADES MARIA ANGUSTIA (relatos de um morto)

(16.08.2000)

Um anjo compartilha o mesmo galho de árvore onde estou sentado nesta tarde de domingo, enquanto vejo o meu grande amor distribuir sorrisos neste piquenique de toalha vermelha quadriculada que lembra umas almofadas da casa da minha avó. Desgraçado por não descobrir um pingo sequer de dor neste rosto de porcelana, choro lágrimas que viram borboletas. Neste galho de ironia, minha tristeza colore o dia da única mulher para quem ousei balbuciar "para sempre ".

Sei (e isto me conforta) que, desde meu passamento, ela não mais amou alguém, e por isso a perdôo (ainda que me incomode vê-la sorrindo lindamente). Em seus lábios, onde por vezes renasci, esperava ver irromper soluços. Mas ela só ri. Sorri. E eu, de mãos dadas com este anjo, odeio-me por não a ter envolvido num abraço maior que o mundo... ter sido seu mundo.

Quanta saudade, Maria Angustia...

E esse anjo, que não pára de me olhar com essa cara de pena... Vai, diz pra ela que eu estou aqui. Vai, eu lhe suplico.

Por Deus! Ela suspirou daquele jeito que sempre fazia quando me perdoava pela frieza que tanto me acusou.

Agora me resta perambular pelas ruas da cidade, chutando as latas de meus arrependimentos. Os cachorros latem distante e o perfume de tristeza me embebeda a eternidade. A brisa que varre papéis caídos no chão cantarola, como a voz da consciência em meus ouvidos: "teus dias serão contemplá-la feliz e tu viverás morto".

__ "Mas não para ela" - respondo.

__ "Mas não para ela" – a brisa concorda.

A vida caminha tranqüila para os que ficam nessa vida de amores, sentimentos definidos e onde o certo e o errado são bem distintos um do outro. Do lado de cá tudo é tão disforme, tão relativo, tão amplo... difícil é se acostumar a se esquecer o quão bom era olhar e, simplesmente, amar ou não... tudo era tão sem razão.

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