sexta-feira, 9 de julho de 2010

O LOUCO, O POETA, O BÊBADO E PEDRO (2/3)

__ Por falar em beber: ô Seu Carlos, cadê a branquinha? De butiá, hein! – e para Pedro, enquanto o velho dono do bar traz a cachaça: Bicho, a tirania é a única regra nessa lama que vocês engolem e cagam desd’antes da época do mercantilismo, desde que o mundo é mundo; mas que está finalmente secando. Aliás, tirania não é só ditador latino-americano dando porrada nos pele ou boina vermelhas. É toda essa babaquice de submissão aos sistemas.

__ Para que esse papo furado? Essa lenga-lenga ideológica que não leva a nada, se é tão bom e tão mais simples falar da doença dos tempos: o amor? – interrompe um sujeito meio excêntrico de óculos de lentes cor-de-rosa, em pé e cima do balcão. O Poeta.

Continua o Louco:

__ Em verdade, em verdade vos digo: este quadro que vocês insistem aplaudir, comprar e babar nas salas de visitas está para ser tirado da parede. É prova de que nada está dando certo: está tudo tão triste, tudo sem cor. O homem se entorpece no rancor de ter-se perdido, só - verdade crua - neste labirinto de loucura... Loucura por riqueza, por posição. Da dor do próximo, a construção desses prédios de egoísmo, muros de mentiras e cinismo. Crianças pobres, crianças mortas. Nós covardes, atrás das portas, contando nosso dinheiro e nos perdendo por inteiro. Perdendo a chance de nos dar... À luta! Vamos ter que jogar a verdade na cara dos imbecis e morrer todas as noites pr’um amanhecer feliz.

O Poeta:

__ Mas que tal nos esconder no mangue? Pra que se afogar em sangue, se é tão bom, tão mais óbvio falar de amor?

Pedro:

__ Amor de homem e mulher. Amor de irmãos, e até mais... amor de iguais, quem não quer?

O Louco continua com ar abatido, como se não interrompido fosse:

__ Esperança e paz aqui na Terra. Faça amor, não faça guerra! Mas o bicho homem se nega, nessa vingança burra e cega daquilo que perdeu e que sempre foi seu. Mas soube ele noutro plano, um dia, que era dentro dele que se escondia toda a verdade que sempre quis; e hoje ele torce o nariz só porque desconhece que, através de simples prece, pode ser mais que homem, quase um anjo - que toca harpa, brinca com banjo e segue firme sua saga, seu caminho... todo de branco, em puro linho. Vaidoso? Só por brincadeira. Mas por mais que sua’lma não queira vem o Mau e o balança. Esse maldito não descansa!

Pedro, contando nos dedos:

__ O homem se perde na gula; a preguiça o estrangula; a inveja corrói seu coração; e ainda vem a ambição, de braços dados com a luxúria; e a ira o envolve em fúria tão forte quanto a vaidade. E evoluir, ele deixa para mais tarde. Desconhece ele que nessa hipocrisia ele vai sentar-se nunca à direita de Deus-Pai.

__ Não, não falemos de Deus, tu tens o Teu, eu tenho o Meu... Além do que, é tão mais simples falar de amor! – quebra novamente o clima, o Poeta.

Ansioso, fala Pedro:

__ Amor de homem e mulher. Amor de irmãos, e até mais... Amor de iguais. Quem não quer?

O Louco, enxugando o suor com a manga da camisa:

__ O homem nem sabe que nesse mundo não mais cabe tamanha falta de respeito. Ninguém mais se dá o direito de gozar mísera paz - que tanto O Celeste apraz; mas que se perde em simples mau - mentira, ódio... tudo igual, o reconduz para baixo (selvagem fêmea, selvagem macho). E o que, ao certo, norteia arcanjo, duende, sereia, é a lei de que se deve ser bom. Todos, um só, num mesmo tom, preparemo-nos para o porvir e, se acaso cair, com toda a fé do mundo, reze! porque cristão que se preze - e Cristo está à direita do Senhor! - transfere todo amor para a grandeza de seus propósitos. O mundo é repleto de paradoxos; de verdades nem tão assim. Mas só existe um único fim: evoluir. Mas não te esqueças de sorrir - porque o sorriso é uma flor nos jardins da Egrégora do Amor.

Pedro, animado e trêmulo, sacode os braços e dispara:

__ Não adianta abrir os olhos destes pobres, porque existe coisa bem mais nobre: nada melhor que falar de amor! Amor de homem e mulher. Amor de irmãos, e até mais... Amor de iguais. Quem não quer?

O Poeta aplaude. Finaliza a discussão, o Louco:

__ Abdico tudo que nasceu comigo, tranqüilidade, riqueza, mas não amigos; pois são como eu: alma nobre que assaz sofreu nesta longa caminhada. Mas não quero mais nada: de minha cabeça faço mira para os poetas sem liras - falsos detentores da certeza, que espalham por aí a fraqueza da crença que tudo termina em si. Senhores: aqueles em quem um dia cri não mais dominarão este lugar. Com eles haverei de lutar com o mais poderoso escudo: na provocação faço-me mudo, e revido com perdão. Daí eles sofrerão com a verdade suprema em suas portas. Suas frases tortas padecerão diante da luz, como Cristo morto na cruz, para mudar tudo que nos cerca. Estejamos todos em alerta!!! Deixemos de falar de amor! Esqueçamos de falar de amor! Enterremos a palavra amor! Façamos com que ela, da forma mais singela, circule por entre nós e que possamos crescer ao som d’uma só voz: Amor de homem e mulher, amor de irmãos, e até mais... Amor de iguais. Quem não quer?

O poeta começa a chorar. Pedro acompanha as lágrimas do pobre.

__ Calem a boca! – grita um bêbado debruçado sobre o balcão de madeira riscada. Continua, ainda aos berros: Amor é aquilo que nasce, pensa que vive e morre entre dois momentos de dor, angústia e desilusão. É onde nós, náufragos de um mundo irreal, procuramos pela maré chegar e sobreviver aos turbilhões da solidão, às ondas da tristeza e nos iludimos descansar após infinitas braçadas de auto-piedade e mentiras sinceras.

De dentro do espelho:

__ Viva Cazuza! Viva Cazuza!

__ Psiu! – Pedro censura o homem do espelho e, para o Bêbado, comenta: Que angustia a tua, hein?!

Responde o Bêbado:

__ É uma merda esta vida! Esta vida é uma merda! Digo, explico e convenço: é que tem uma moça aí que me encanta. Cara, somos feitos um pro outro, juro! Só que eu não consigo entendê-la... e olha que eu tento! Acusa-me de frio de vez em quando; outros quandos de ser afobado. Eu faço de tudo! Esses dias eu até disse pro meu “Labirinto” (chamo-a de Labirinto porque a cabeça dela é uma coisa tão confusa que até deve ter um Minotauro escondido lá dentro): “Tô indo brincar Labirinto, te provar o que sinto e o que o destino diz: fazer-te-ei tão feliz! Sabes bem, sou arredio. Mas sofrer não dá mais. E ademais, Sinhá Lindeza, hoje eu tenho a certeza que tu és o meu cais... sou navio!”. Então ela me diz: “Calma, ser-te-ei de corpo e alma. Antes, porém, hei de conquistar meu espaço!”. Daí eu a seguro no braço, mas depois largo: “Vá em paz! Afinal, Deus sabe o que faz.”. E ela parte sem olhar pra trás. No meu peito, o que sinto não cabe: Sua falta. Quanta saudade!

__ Meu amigo, quanta angustia! – disse o Louco.

O Poeta:

__ Essa angustia, tu afogas na cachaça... E da moça, qual a graça?

Responde o Bêbado:

__ Maria Augusta. Maria Angustia.

O Louco:

__ É o preço dessa barbárie! Esse crime dos homens contra a Natureza: essa tal monogamia. Mas isso vai acabar! Esta história de dois corpos e uma só alma está ultrapassada, visto poderes pleitear crescer sozinho feito um eremita. Mas também podes galgar a “Egrégora da Felicidade” sendo de todos, porque tu és um deles... como uma laranja num cesto. Mesmo porque... – o Louco é interrompido pelo do espelho:

__ “... quem gosta de maça irá gostar de todas porque todas são iguais...”

__ Viva Raul! – todos, menos o Bêbado e o Poeta. Este, em socorro à sua razão de ser:

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