Dentre coloridas silhuetas, lha vi crua
Pobrezinha, chorando só, vazia mesa
Minha face borrada, sem classe – fez-se nua
Rezei discreto, clamei quieto sua beleza
Porque a moça que [sentada] ali sofria
Da noite dos meus sentidos ordenou dia
Sem contudo o galo [um contato] ‘inda cantara
Tampouco o sol, olhos para mim, desse as caras
O encanto que escorria em suas lágrimas
Eram frases preenchendo tantas páginas
- Folhas d’um livro d’insultuosa dor
Que eu queimaria em intenso fogo [meu amor]
Parei diante dela. Viu-me o vulto
Perguntei-lhe, rubro, se queria conversar
Questionou-me, só por dizer, “mas que assunto?”
Respondi-lhe: “Sei lá, reis, ministros, algum czar!”
Ela então, curiosa, olhou para cima
E seus olhos se esbarraram nos meus
Não há, doutor, rima que exprima
Nem prosa, aquilo que se deu:
Virei pierrô em noites de bandalheiras
Ela, estrelas, brilhava como tais
Nascente paixão sem eira nem beira
Pularia, imensa, mais de mil carnavais
Rei e rainha, deslizávamos pela pista
Eu bebia os suspiros dos seus lábios
Fomos prima-obra d’um Bom Artista
- Criação acabada. Ligado o rádio:
Sinfonias inebriantes que vinham
Escorregando pela noite inocente
Acordes s’inventavam, logo sumiam
Da magia que embebedava a gente
Para meu orgulho, seu moço, era a mais bela
Vermelha boca, castanhos olhos felinos
Que o menos crente, fraco, se estatela
No chão do absurdo, seu rosto lindo
Os minutos corriam mais que nossos pés
E nós, loucos, fazíamos rodízio d’humores
Invadíamos pares e belos quadros, ao invés
De só sentar, beijar em sonho, mastigar flores
O amanhecer [que ódio!] veio tão cedo
E ela, no portão do baile, olhou pra trás
E em não a rever, fez-se em mim tanto medo
Gritei: “Ei, moça, não te verei mais?”
Ela sorriu, sacudiu os ombros destampados
Eu pude vê-la, não um anjo, mas mulher
“Espera o destino; se ele acaso quiser...”
Chorei então torto, gargalhei errado
Porque a moça que [partiu!] dali não se via
Não sabia, distraída, o que portava:
Levara consigo minha mais minha fantasia
O Romeu, até então hiberno, despertara
O caminho lá pra casa demorou tanto
De repente não seria lá o meu final
A beleza viva da rua morta causou-me espanto
Era amor ou só encanto de carnaval?
tic-tac tic-tac tic-tac… cuco – cuco – cuco três da tarde
Esgotado da ternura do seu cheiro, então dormi.
Minhas mãos acordaram ainda em perfume
Na lembrança dela, sua ausência, daí sofri
Pois foi ela em minha noite escura, mil vaga-lumes
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